sexta-feira, 19 de agosto de 2016

COISAS DA VIDA

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O REBANHO

(Por Violante Pimentel) Padre Amaro, há mais de dez anos, vigário de uma paróquia do interior do Rio Grande do Norte, não se conformava com o alto grau de adultério, praticado pelas senhoras da cidade. Cansado de ouvir sempre as mesmas coisas, rogou às mulheres adúlteras, no confessionário, que não mais pronunciassem as palavras “adultério” ou “traição”, substituindo-as pelas expressões "eu toquei sanfona” ou “eu toquei sanfona novamente”.

A partir de então, quando havia confissão, o vigário chegava ao fim do seu trabalho cansado de ouvir das senhoras as frases: “eu toquei sanfona” ou “eu toquei sanfona novamente.”

As penitências impostas àquelas pecadoras, como a de rezar um rosário (cinco terços) de joelhos, eram repetitivas. As ameaças de que suas almas iriam arder no fogo do inferno, por ocasião do juízo final, de nada adiantavam. As pecadoras, às vezes, chegavam a chorar, e juravam nunca mais pecar. Mas não se corrigiam nunca.

Corria tudo bem na paróquia, apesar do rebanho trabalhoso, quando houve um surto de dengue, sendo o padre Amaro vitimado pela dengue hemorrágica. Houve uma verdadeira comoção na cidade. Todo o povo lamentou o triste acontecimento, pois o vigário era muito querido.

Uma semana depois, os serviços da paróquia se normalizaram, com a chegada do padre Bento, que viera substituir o pranteado vigário.

Depois de alguns meses à frente da paróquia, padre Bento foi convidado para um almoço, num dia de domingo, na casa do prefeito. Estavam presentes algumas autoridades da cidade, como o juiz, o promotor, o médico da saúde pública e o comandante da polícia militar.
Foto do perfil de Violante Pimentel
Violante Pimentel é procuradora 
aposentada do Rio Grande do Norte

O novo vigário demonstrou muita satisfação em relação à paróquia que viera dirigir. Elogiou muito o povo da cidade, que, além do dízimo, mensalmente dava uma boa colaboração à Igreja. Elogiou, também, o gosto musical das mulheres da cidade, e não entendia porque elas, quando se confessavam, diziam sempre que tocavam ou tinham voltado a tocar sanfona, como se tocar sanfona fosse pecado. Falou que estava cansado de dizer, àquelas mulheres, que a música é um dom divino e que elas podiam tocar sanfona à vontade, como também qualquer outro instrumento musical.

A gargalhada ecoou no terraço da casa do prefeito, como se alguém tivesse contado uma piada. Padre Bento quis saber por que os homens estavam rindo tanto. O prefeito, então, contou ao vigário que o falecido padre Amaro tinha substituído o pecado do adultério ou traição, pelas frases “toquei sanfona", ou "voltei a tocar sanfona”. Padre Bento ficou encabulado e, ao mesmo tempo, preocupado por ter permitido, inocentemente, que aquelas mulheres adúlteras comungassem todos os dias. Muito sério, logo após o almoço o vigário se despediu e voltou à casa paroquial, para descansar. À noite, ao chegar à igreja, lotada, para celebrar a missa das 18.30, sua primeira preocupação foi dar o seguinte aviso:

-- ATENÇÃO!!! QUERO AVISAR ÀS SENHORAS SANFONEIRAS, QUE HOJE ELAS NÃO PODERÃO COMUNGAR!
  
Houve um sussurro dentro da igreja, pois a maioria dos fieis não entendeu nada...Somente as próprias adúlteras "sanfoneiras" entenderam o aviso. 



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