SANGUE E COCA-COLA
(Por Clóvis Campêlo) Ao entrar na sala percebera na parede do lado direito a imagem de
uma loira do tipo Marylin Monroe montada sobre uma imensa garrafa de coca-cola.
Os cabelos oxigenados e o largo sorriso da loira deixavam
transparecer um ar de felicidade consumista e uma embriaguez que não combinavam
com a tensão que experimentava.
A estampa da loira radiante, aliás, lembrara-lhe de uma cena
cinematográfica onde uma imagem semelhante aparecia em néon ocupando toda a
parede lateral de um prédio alto.
Não sabia, no entanto, porque todas estas lembranças lhe vinham à
mente, naquele momento, já que de nada lhes serviriam.
Pode ver ainda que sobre o pequeno móvel, escuro e torneado, estavam
inúmeras garrafas vazias do refrigerante. Como diria o Aires, seu amigo
politizado, fosse quem fosse que ocupasse aquela sala era uma pessoa
coca-colonizada.
Estranho aquilo. Como poderia alguém consumir impunemente tanto
refrigerante assim? Como poderia alguém exercer qualquer atividade naquele
cubículo escuro e infecto?
De início, percebera aquilo tudo com dificuldade considerando a
pouca luminosidade existente no local. Agora, com a vista já adaptada, podia
ver com mais detalhes o local.
Em frente, sob a janela fechada, estava uma escrivaninha repleta de livros,
pastas e papéis, colocados sobre ela de forma desordenada.
Por sobre a janela, na mesma parede, estava um grande relógio
parado, como a indicar que para aquela pessoa o tempo era um elemento com o
qual não deveria se preocupar.
Sentia, no entanto, que parecia estar ali há séculos, a espera de
algo que nem mesmo sabia o que era. Por que entrara ali, naquela porta
entreaberta, naquele dia? Que impulso esquisito o levara àquela sala escura e
suja? Isso, não poderia responder. Sabia apenas que agora era tarde demais para
voltar atrás! Não mais havia tempo para arrependimentos tardios. Tinha que
seguir em frente. Sabia que era assim e assim seria.
Na parede do lado esquerdo, havia duas prateleiras onde várias
caixas pequenas se amontoavam ao lado de uma pilha de jornais. De longe, podia
sentir o cheiro da poeira e do papel velho amarelado. Para que diabo serviria
aquilo? O que haveria dentro daquelas caixas que pareciam não serem abertas há
tanto tempo?
Sob as prateleiras, um pequeno sofá preto e rasgado. Sobre o móvel,
uma pele de gato-do-mato curtida, onde os dois olhos mortos eram as únicas
coisas que luziam naquele recinto escuro.
De repente, abre-se a porta espalhando uma claridade intensa e
alguém entra na sala. De relance, ainda pode ver o brilho de surpresa e medo
nos olhos do recém-chegado, antes de apanhar uma das garrafas vazias e
estourá-la na sua cabeça.
Saiu em disparada pelo corredor, enquanto o corpo caía e o sangue se
espalhava pelo chão sujo da sala.
Recife, 2007
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