Arte: Antonio Lucena |
PARA
O LIXO DA HISTÓRIA
Louvem-se
os méritos do político que soube melhor
do
que ninguém construir para si uma imagem
em
quase tudo diversa da refletida no espelho
Por
Ricardo Noblat
noblat.oglobo.globo.com
06/11/2017
- 03h00
Naturalmente
faltou combinar com Dilma, que ainda se esguelha por aí a denunciar “o golpe”
que a derrubou, e os golpistas que tramaram sua desgraça.
E
faltou combinar com os milhares de pessoas, militantes do PT ou simples
saudosistas de uma era de crescimento econômico, convencidas de que o golpe
afundou o país na mais grave recessão de sua história. Não fosse ele, tudo estaria muito bem.
Mas
nem Dilma, nem os militantes do PT, tampouco os saudosistas preocupam Lula
neste momento. Neles se dará um jeito mais tarde – ele sempre consegue.
Em
primeiro lugar, Lula preocupa-se com Lula, a poucos meses da decisão em segunda
instância da Justiça que poderá impedi-lo de disputar a próxima eleição. Em
segundo lugar, Lula preocupa-se com Lula, que corre o risco de ver o sol
quadrado.
Foi
por isso que na semana passada, no ato final de sua viagem a Minas Gerais, Lula
surpreendeu os desavisados com o discurso que se tornará conhecido no futuro
como a fala do “Eu perdoo”.
Sim,
o filho de mãe analfabeta, o retirante que sobreviveu à seca nordestina e à
miséria, a alma mais honesta do país, o político mais perseguido, generosamente
perdoou seus desafetos, e os de Dilma.
Não
é de graça que Lula refere-se a si mesmo na terceira pessoa. Que diz, por
exemplo, que Lula há muito deixou de ser uma pessoa para virar uma ideia. Ou
que há milhões de Lulas em condições de substituir o Lula original caso este,
um dia, possa lhes faltar.
Louvem-se
os méritos do político que soube melhor do que ninguém construir para si uma
imagem em quase tudo diversa da refletida no espelho.
Teria
fracassado não fossem os méritos que de fato tem – a intuição aguçada, a
astúcia polida ao longo de anos de embates, a capacidade de tocar à alma dos
que o seguem, a elasticidade para se adaptar a novas situações, e a falta de
compromisso com o que pensa ou diz, se o que pensou e disse possa mais tarde
ser-lhe um estorvo.
O
discurso do golpe já não lhe serve. O anátema dos golpistas, menos ainda.
Onde
se leu “Eu perdoo”, leia-se: “Precisamos nos unir para não só vencermos as
eleições de 2018 como também para derrotarmos os que ambicionam nossos
escalpos”.
Se
as eleições fossem amanhã, Lula estaria no segundo turno, atestam as pesquisas
de opinião. Se o combate à corrupção não for derrotado, ou se pelo menos não
houver uma trégua, quem escapará incólume aos resultados das urnas?
Unidos,
os alvos da Lava Jato jamais serão vencidos! O Supremo Tribunal Federal jogou a
toalha quando submeteu a validade de algumas de suas decisões ao “de acordo”
dos políticos.
Parece
pronto para revogar o cumprimento de sentenças na segunda instância,
combustível vital das delações. O presidente Michel Temer tudo fez e fará para
salvar políticos em apuros, assim como duas vezes acabou salvo por eles.
De
alto de sua condição de político ferrado, mas ainda repleto de votos, Lula se
oferece para visitar Estado por Estado posando de magnânimo, pregando a
reconciliação entre os brasileiros, abençoando aliados culpados ou por ora
apenas suspeitos, desde que eles façam suas vontades, entre elas a de voltar a
governar.
E
se isso não for possível, desde que eles, por interesse mútuo, ajudem o PT e
pelo PT sejam ajudados.
Para
o lixo da História com o golpe, os golpistas e Dilma. Quanto às legiões dos que
acreditaram, Lula agradece. Valeu a boa intenção. E desculpem qualquer coisa.
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