Crise brasileira: cadê o fundo do poço? |
UMA CRISE
SEM FIM
Elite gostaria de encontrar
um Emmanuel Macron,
mas até agora só achou um
insípido animador de auditório
Por Marco Antonio Villa
O Globo – 14/11/2017
O impasse
político continua. Nada indica que estamos próximos da solução da mais grave
crise da história republicana. E, pior, caso se mantenha este quadro
sucessório, as eleições de outubro de 2018 vão se transformar em enorme
frustração.
A
permanência no poder — tanto no Congresso como na Presidência da República —
dos mesmos interesses, vocalizados por uma elite corrupta, deve agravar a tensão
política.
Poderemos
chegar ao esgarçamento máximo das instituições criadas pela Constituição de
1988, justamente quando se completará 30 anos de vigência da Carta cidadã, o
que para o Brasil não é pouco, pois, em termos de longevidade, ficará somente
atrás das constituições de 1824 e 1891.
Para a elite
dirigente — elite no sentido mais amplo, passando pelos Três Poderes e pelo
capital financeiro e empresarial —, tudo está sob controle. De há muito perdeu
a capacidade de representar os interesses brasileiros.
Despreza a
soberania nacional, acha irrelevante. Está — a elite — de tal forma descolada
do Brasil real que imagina que basta criar uma ONG que tudo estará solucionado
no campo da educação, da saúde ou da segurança pública. Em momento algum se
compromete com a erradicação das desigualdades. Não. Prefere mantê-las até para
realçar seu compromisso com os despossuídos. É pura hipocrisia.
Sabe que a
vigência plena do caput do artigo 5º da Constituição (“Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza.”) prejudica seus interesses de
classe. Não deseja a igualdade jurídica republicana, não consegue conviver numa
sociedade democrática com direitos e deveres iguais entre os cidadãos.
Necessita de privilégios para manter seu padrão econômico e social de vida. Ao
invés de uma sociedade de classes, imagina como ideal uma sociedade estamental.
Vive em eterno descompasso com o Brasil.
A elite
financeira, em especial, pouca atenção dá ao combate à corrupção. Entende que
pode conviver com os ilícitos contra a coisa pública. O que vale é a
estabilidade política, independentemente do preço ético. Emite sinais de que
está mais preocupada com a crise fiscal do que com as mazelas produzidas pelos
políticos.
Marco Antonio Villa (Foto: Reprodução) |
Vale lembrar
que, em momento algum, na luta pelo impeachment — que livrou o país de uma
radicalização ao estilo venezuelano —, alguma liderança expressiva do mundo
financeiro se pronunciou em defesa da democracia. Pelo contrário. O presidente
de um dos maiores bancos concedeu uma longa entrevista a um periódico de
circulação nacional. Insinuou uma defesa envergonhada do governo Dilma, isto
apenas a três meses da votação da Câmara dos Deputados autorizando a abertura
do processo de impeachment.
Nunca o
grande capital especulativo — mais do que o financeiro — obteve tantos lucros
como durante os 13 anos do petismo. E logo tomaremos conhecimento da relação
incestuosa entre os banqueiros e os mandarins da política econômica petista com
a divulgação da delação premiada de Antonio Palocci — que, por sinal, está demorando
muito, o que causa profunda estranheza: estará havendo algum tipo de
manipulação antirrepublicana?
Frente ao
aprofundamento da crise política, a elite não sabe o que fazer. Seus líderes
externam discursos de uma pobreza ideológica franciscana. Buscam a todo custo
candidatos à Presidência da República. Querem nomes, e não ideias. O que vale é
a grife. Gostariam de encontrar um Emmanuel Macron, mas até agora só acharam um
insípido animador de auditório.
E como não
tem qualquer compromisso com os interesses nacionais, não é descabido imaginar
que, após o pleito de outubro do ano que vem, dependendo do resultado, resolvam
fixar residência no exterior. Para eles, o melhor do Brasil é vê-lo à
distância.
“Em meio à
mediocridade intelectual, política
e
ideológica, o Brasil vai resistindo. Até quando?”
Se da elite
nada podemos esperar, como poderemos achar um caminho para romper este impasse,
o mais longo da história republicana?
Aí mora a
questão central, o âmago do problema. É fundamental sair da superfície dos
acontecimentos e buscar as raízes estruturais da crise. As instituições criadas
através da Constituição de 1988 estão em frangalhos. Se, em tese, tinham
qualidades, acabaram tomadas pelos estamentos que controlam a estrutura estatal
na União e nas 27 unidades da Federação. E nada indica que haverá condições de
transformá-las. Estão petrificadas.
Os
movimentos que lideraram o impeachment deram a entender, em certo momento, que
poderiam ser uma novidade no cenário tão pobre da política brasileira. Porém,
muito rapidamente, se adaptaram ao velho ramerrão do toma lá dá cá. Buscaram
filiação nos partidos tradicionais e adaptaram seus discursos à nova
conjuntura. Alguns escorregaram para o extremismo. Seria como se, na Espanha, o
“Cidadãos” aderisse ao franquismo. Aqui simpatizam com um líder sindical
militar.
Outros
apostam na reforma a médio prazo. Sonham que um dia — presumidamente, bem
distante — o regime vai se autorreformar.
Os mais
ideologizados passaram a utilizar velhos clichês do ultraliberalismo como a
última moda. Pior, criaram uma oposição (Mises X Marx) como se a solução dos
problemas nacionais passasse necessariamente por visões de mundo radicalmente
distintas, arcaicas, fora do contexto nacional e que ignoram a complexidade do
mundo globalizado.
Em meio à
mediocridade intelectual, política e ideológica, o Brasil vai resistindo. Até
quando? É impossível responder. Mas não parece exequível estender ad infinitum a solução da crise. Isto só
tende a agravar os grandes problemas nacionais. E com reflexos na ordem
político-institucional imprevisíveis.
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