FOTO: Claudia Campos - ensaiodepalavras.blogspot.com |
Nas grandes metrópoles – e nas cidades de médio
porte também –, o trânsito é o que se sabe: um caos. Dar jeito numa encrenca
dessas exige investimentos vultosos, coragem política para tomar medidas
impopulares (como rodízio e cobrança de pedágio urbano, por exemplo) e tudo
mais que todo mundo sabe, inclusive nós, os leigos. Mas não faltam “especialistas”
que pretendem resolver problema tão complexo com soluções simples. São os que
fazem parte da tribo dos politicamente corretos. Seu discurso é bonitinho, mas
inútil.
Há dias ouvi no rádio, uma “especialista” defendendo
(de novo!) a carona solidária. Segundo ela, a moda não pega por aqui por razões
“culturais”. De vez em quando, a cantilena ressurge, com a força que
caracteriza as inutilidades. Mesmo que quisesse, teria muitas dificuldades para
oferecer transporte aos meus queridos vizinhos. E por várias razões:
PRIMEIRA RAZÃO – Meu automóvel está longe de atrair
atenções, de ser um objeto de desejo de quem quer que seja. Melhor dizendo:
atenções o calhambeque atrai – e muitas –, mas, infelizmente, pelos piores
motivos. É o mais chinfrim do condomínio. Não raro, só pega no tranco, quando
pega. O sistema de freios não inspira muita confiança; os pneus, idem.
SEGUNDA RAZÃO – Não sou mais um ás no volante. Meus
reflexos não acompanham os fatos. A visão e a audição também. Sabem como é? A
turma do prédio fica de olho, comenta, ri pelas costas. Para manobrar na
garagem, não dispenso o auxílio dos familiares. O sensor de ré não me serve
para quase nada. Quando ouço o apito, a batida já foi dada. É uma lástima que
nossos arquitetos e engenheiros não sejam adeptos do vão livre. Para que tantos
pilares?
TERCEIRA RAZÃO – Como vou saber para aonde (e a que
horas) vão meus queridos vizinhos, se a maioria não me diz ao menos “bom-dia”?
Estive a ponto de desenvolver profundo complexo de rejeição por conta disso. A
família me tranquilizou: “Bom-dia”, “com licença” e “obrigado” são termos fora de moda. Ora, se é assim, como, então, vou chegar para
uma vizinha que não me olha na cara e perguntar: “Para aonde vamos”? Corro o
risco de levar uma sova do marido. Já não tenho braços para revidar. Nem pernas
para fugir.
Então, ficamos assim: cada qual que vá para o
trabalho com suas próprias rodas. E os muito incomodados com o trânsito que se
mudem. Para a Índia. (março de 2013)
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