Fernanda e Walcyr, no lançamento de O Outro Lado do Paraíso Foto: Agnews |
UMA VELHICE
ARREBATADORA
Fernanda Montenegro tem uma
beleza especial
que transcende a velhice, a
passagem dos anos
Por Walcyr Carrasco
Época – 07/11/2017
Já admirava Fernanda Montenegro havia muitos
anos. Era jovem quando assisti a sua magnífica interpretação em As lágrimas amargas de Petra Von Kant.
Saí impactado. Fernanda pertence a uma geração de atores formada nos palcos.
Nunca fez questão de ser a mais bonita, a exuberante. Ao lado do marido,
Fernando Torres, já falecido, investiu sempre na carreira teatral. Surgiram a
televisão, o cinema. Foi finalista do Oscar por Central do Brasil. Feio fez a
Academia, ao não lhe dar o prêmio. Há pouco tempo, ganhou o Emmy por uma série
da TV Globo.
Ainda vive em mim algo do menino de interior de
São Paulo que fui um dia. Fico tímido diante de quem admiro. Em um evento da
Globo, há dois anos, ela me abordou. Para minha surpresa, disse que gostaria de
trabalhar comigo. Quase me ajoelhei. Explicou que já tinha mais de 80. Seria
bom não demorar muito tempo, avisou. Óbvio, criei um papel para ela na minha
novela atual, O outro lado do paraíso.
Um personagem especial, inspirado em uma vidente que conheci no interior do
Tocantins. Dia desses, fui visitar as gravações. No camarim, Fernanda,
orgulhosa, se contemplou no espelho.
– Estou sem maquiagem.
Aviso. Ouvir isso de uma atriz, ainda mais de
uma estrela como é Fernanda, é raríssimo. Não só de atrizes. Eu mesmo gostaria,
quando dou entrevistas, de passar pelas mãos mágicas de um maquiador. Uma boa
maquiagem elimina sinais de idade. Diante da iluminação, torna os rostos muito
mais atraentes. Para uma atriz, abrir mão da maquiagem é o mesmo que expor
todos os sinais do tempo, as marcas da vida. Fernanda, como a vidente Mercedes,
não usa nenhum artifício. Também a observei nas entrevistas. Lúcida, com um
raciocínio exato e conciso, ao fazer declarações sobre os recentes ataques a
exposições de arte. Surpresa! Justamente no dia da minha visita, era seu
aniversário. Haveria um bolo em sua homenagem. Coisa simples, apenas com o
pessoal que estava no cenário, não mais de seis ou sete pessoas.
Cantamos “Parabéns”. Cortamos o bolo.
Oferecemos um buquê de flores. Alguém comentou sobre o fato de estar
trabalhando justo no dia do aniversário. Ela disse:
– Só tenho a agradecer por estar com 88 anos,
aqui, gravando. Ser atriz é o que quis fazer toda a vida. Possuir condições
físicas para trabalhar é uma dádiva. A oportunidade de ter um papel, de viver
meu personagem, é a melhor comemoração que posso ter. Existe felicidade maior?
Cortou o bolo, ofereceu. Depois se retirou
emocionada e majestosa. Porque uma grande atriz, mesmo nas roupas simples da
vidente Mercedes, continua a possuir uma aura. Uma beleza especial que
transcende a velhice, a passagem dos anos.
Fernanda em Central do Brasil |
Sempre fui pessimista em relação à velhice. Meu
olhar sempre se voltou para os problemas, as doenças. No entanto, diante de
Fernanda Montenegro, descobri que a velhice pode ser uma fase intensa, cheia de
vida, de emoções. No dia da estreia da novela, chovia. Também teve tiroteio no
Rio de Janeiro, o que se tornou, lamento, habitual. Houve uma festa, perto dos
Estúdios Globo, para atores e equipe assistirem ao primeiro capítulo juntos. Eu
demorei uma hora e meia para chegar. Fui avisado. Fernanda não viria. Havia
gravado o dia inteiro e voltado para casa. Precisava descansar.
Sentei-me, à espera da novela. Quase no momento
de começar, veio novo aviso. Fernanda chegara. Fui até sua mesa. Peguei sua
mão. Tremia. Emocionada, como uma principiante. As lágrimas caíam. Explicou.
Estava em casa, havia trânsito e tiroteio no caminho. Mas não conseguiu ficar
solitária no apartamento. Era uma estreia! Seu coração falou mais alto. Apesar
de tantos trabalhos, prêmios, sua emoção era idêntica a minha, do diretor
Maurinho, de todos os atores. A mesma emoção que senti quando meu primeiro
livro foi editado, peguei impresso nas mãos. Cada estreia de uma peça, de uma
novela, quase tenho um enfarte de tão rápido que bate o coração. É o sentimento
de todo artista. Do pintor na última pincelada. Do escritor no ponto final.
Talvez sejam essas emoções tão intensas que dão forças para um artista
enfrentar o mundo. Arte proporciona um contato com algo que está além de mim,
de nós. É uma conexão com o impossível.
Fernanda me
tocou, me toca. Onde estarei aos 88 anos, pensei. Então entendi. Ela nunca terá
os 80 cronológicos. Continua intensa a cada papel. É seu segredo para uma vida
luminosa. Tornar a velhice tão arrebatadora e criativa como a juventude.
LEIA TAMBÉM
Isaura ainda busca explicações para sua birra com Josefa, sua empregada – uma negrinha magra que só, de pouco menos de trinta anos, pobre, dentadura no lugar dos dentes, marido feio e fedido, com direito a apenas dois finais de semana de folga por mês...
Por Orlando Silveira
https://orlandosilveira1956.blogspot.com.br/2017/11/quase-historias-que-coisa-heim.html#comment-form
***
LEIA TAMBÉM
Isaura ainda busca explicações para sua birra com Josefa, sua empregada – uma negrinha magra que só, de pouco menos de trinta anos, pobre, dentadura no lugar dos dentes, marido feio e fedido, com direito a apenas dois finais de semana de folga por mês...
Por Orlando Silveira
https://orlandosilveira1956.blogspot.com.br/2017/11/quase-historias-que-coisa-heim.html#comment-form
Nenhum comentário:
Postar um comentário