Ilustração: Fernando Botero |
UMA CIDADE CAPTURADA
A situação do Estado do Rio está longe de constituir
uma
singularidade no país. É, ao contrário, o seu microcosmo.
E mostra que a troca
de guarda na Presidência, com a deposição
de Dilma Roussef, mudou quase nada
na
essência moral da República
Por Ruy Fabiano
18/11/2017 - 01h25
Há dois meses, quando da intervenção militar na Rocinha, o ministro
da Defesa, Raul Jungmann, resumiu a tragédia carioca: “No Rio, o crime
organizado capturou o Estado”. Nada menos.
Há duas semanas, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, foi mais
incisivo: o crime organizado, dirigido desde a Assembleia Legislativa, comanda
os principais batalhões da Polícia Militar.
Esta semana, a Polícia Federal deu nome aos bois (a alguns, pelo menos),
ao prender um trio de deputados estaduais da pesada: Jorge Picciani, presidente
da Assembleia; Paulo Melo, seu antecessor no cargo; e Edson Albertassi, líder
do governo Pezão.
O Tribunal Regional Federal, por unanimidade, havia determinado a
prisão dos três, mas, tendo em vista a jurisprudência estabelecida pelo STF no
caso do senador Aécio Neves, delegou à casa legislativa a que pertencem a
palavra final.
Não deu outra: repetiu-se o rito da impunidade. Os três foram
liberados e reintegrados às suas funções. Tudo como dantes.
Como ficam, em tal circunstância, os ministros do governo Temer que
diagnosticaram a captura do Estado pelo crime? O presidente não disse uma só
palavra a respeito.
Talvez não concorde com seus ministros. Nesse caso, deveria afastá-los
ou ao menos adverti-los. Como não disse nem fez nada, é possível que seu
silêncio indique mais impotência que cumplicidade.
“Se o Judiciário, que existe para julgar,
não o faz, por que o faria o Legislativo,
cuja missão institucional é outra?”
Afinal, os três parlamentares fluminenses, acusados de comandar,
entre outras, a máfia dos transportes no estado, integram o mesmo partido do
presidente da República, o PMDB. E compartilham acusação equivalente.
Temer, como se sabe, foi acusado, pela Procuradoria Geral da
República, de integrar o “Quadrilhão do PMDB”, grupo de políticos federais de
primeiro escalão – entre eles, os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco e o
ex-ministro Geddel Vieira Lima - envolvidos em diversos ilícitos (corrupção
passiva, formação de quadrilha, fraude em licitações, cobrança de propina
etc.).
Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, fez parte do grupo, segundo
a PGR. Mas, tal como o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, também do Quadrilhão,
perdeu o foro privilegiado e está em cana. Sem o foro, é o Moro, diz o slogan,
que resume o Brasil de hoje.
A Câmara rejeitou a denúncia. E, tal como o Senado - e agora a
Assembleia Legislativa fluminense -, blindará todos os seus integrantes, sempre
que solicitada a substituir a Justiça. Se o Judiciário, que existe para julgar,
não o faz, por que o faria o Legislativo, cuja missão institucional é outra?
A situação do Estado do Rio está longe de constituir uma
singularidade no país. É, ao contrário, o seu microcosmo. E mostra que a troca
de guarda na Presidência, com a deposição de Dilma Roussef, mudou quase nada na
essência moral da República.
Grande parte dos ministros de Temer – inclusive o hoje presidiário
Geddel Vieira Lima – serviu aos governos Lula e Dilma. O deputado federal
Luciano Picciani, filho de Jorge, presidente da Assembleia do Rio de Janeiro,
foi líder de Dilma na Câmara e é hoje ministro dos Esportes de Temer. No poder
estava, no poder ficou.
Ruy Fabiano é jornalista |
O (ainda) governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, é fruto de acordo
entre os dois caciques políticos que o precederam no cargo e hoje estão presos:
Anthony Garotinho e Sérgio Cabral. Pezão tornou-se vice de Cabral como condição
para que Garotinho o apoiasse.
Por meio dele, Garotinho esperava participar das benesses do governo
Cabral. Mas Cabral, uma vez eleito, tratou de cooptar Pezão, político
inexpressivo, do município de Piraí, interior do estado. Despachou Garotinho,
que se tornou inimigo de ambos.
Antes de ser preso, com as regalias de prisão domiciliar, Garotinho,
esquecido de suas próprias falcatruas, denunciava as de Cabral e Pezão, no
rádio e nas redes sociais. Os dois retribuíam os insultos – e os três têm
razão.
Pezão, doente e incapaz de lidar com o caos a seu redor (no Rio, a
única coisa organizada é o crime), vegeta no cargo. Há diversos pedidos de
impeachment contra ele na Assembleia, que obviamente não os examinará. Primeiro
porque carece de autoridade moral para fazê-lo; e segundo porque ela própria
precede em tempo, extensão e profundidade os delitos que se imputam ao
governador.
O Rio continua sendo o cartão postal do Brasil – não, porém, pelos
atributos de Cidade Maravilhosa que, no passado, a tornavam atraente ao turismo
nacional e internacional. O crime a capturou.
BENETT |
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