Ilustração: Arquivo Google |
CIRCO DE HORRORES NO PALÁCIO CENTRAL
Aécio Neves, o Mineirinho do departamento de propinas
da Odebrecht, tomou as dores do deputado Imbasshay
e exigiu de Temer “dignidade” na hora de desalojar
as aves de rica plumagem do ninho fofo do poder federal
Por José Nêumanne
O Estado de S. Paulo
29/11/2017
A um ano do turno definitivo das eleições gerais de 2018, o cidadão
brasileiro tem presenciado um circo de horrores na cúpula federativa da
República brasileira, com lances dignos da tragédia mais deslavada e da comédia
mais escrachada.
Na interminável novela da indecisão do PSDB quanto a continuar
servindo a Temer ou renunciar, o quarteto ministerial tucano foi reduzido a
trio com a renúncia de Bruno Araújo, pernambucano que deu o voto capital pelo
impeachment de Dilma, um gesto simbólico, e saiu de fininho do Ministério das
Cidades. Para o lugar dele o chefe do governo não pestanejou e nomeou o obscuro
membro do baixíssimo clero da Câmara dos Deputados Alexandre Baldy. Este
adentrou a Esplanada dos Ministérios recomendado por circunstâncias
genealógicas e de proximidade: é primo de Elsinho Mouco, marqueteiro do Planalto
com pouco talento e menor senso de oportunidade por adotar como slogan do
mandato-tampão o lema positivista de Auguste Comte Ordem e Progresso, inscrito na Bandeira Nacional. Destarte, sendo
este tido como muito chegado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a fome
juntou-se à vontade de comer, como já diziam os mais antigos. Laços familiares
e interesses em votações no Congresso eliminaram uma anotação desagradável de
sua biografia: nos velhos tempos de Waldomiro Diniz e das relações promíscuas
entre o governo Lula, as loterias e a contravenção penal, foi descrito no
relatório final de uma CPI como “o garoto de ouro de Carlinhos Cachoeira”, o
bicheiro de Goiás de Demóstenes Torres e dos irmãos da JBS.
Não é algo que se possa definir como boa estirpe, mas em nada se
compara com similar episódio referente a outro posto estratégico do primeiro
escalão: sem as verbas polpudas da pasta desprezada por Araújo, a Secretaria de
Governo, que, segundo as más línguas, continua sendo tocada por gente de
confiança do baiano Geddel Vieira Lima, embora seja comandada por outro baiano,
o tucano Antônio Imbassahy,
E foi aí que a porca torceu o rabo. Imbassahy gostou do emprego e
quer ficar na poderosa esplanada. Mesmo que lhe seja destinada uma pasta
ocupada por uma correligionária, a juíza também baiana Luislinda Valois,
transferida para o pelourinho de uma aposentadoria de R$ 32 mil com a perda do
Ministério dos Direitos Humanos.
Mas Aécio Neves, o Mineirinho do departamento de propinas da
Odebrecht, tomou as dores do deputado e exigiu de Temer “dignidade” na hora de
desalojar as aves de rica plumagem do ninho fofo do poder federal. Como a
História registra, o PSDB perdeu a eleição presidencial para Dilma Rousseff,
soit-disant “work alcoholic”, e seu vice, empossado depois do alívio do
impeachment dela.
Nêumanne: jornalista, poeta e escritor
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Diante do súbito brio do derrotado neoaliado, Temer cedeu e, em nome
da ira sagrada de que se viu assomado depois de ler na Coluna do Estadão a confirmação do convite a Carlos Marun para o
posto que comanda as negociações entre Planalto e Parlamento, ele o pôs no
congelador até o próximo dia 9. Essa é a data para a qual está marcada a
convenção do PSDB em que se escolherá o substituto do neto de Tancredo na
presidência. E, assim, a Nação conhecerá se, afinal, o partido se aliará ou se
separará do chefe dos chefes, Temer.
Isso se deu no instante em que o Tribunal Federal da 3.ª Região
(TRF-3) recusou os embargos impetrados pelo ex-governador de Minas Eduardo
Azeredo, acusado dos crimes de lavagem de dinheiro e peculato, cometidos na
eleição estadual de 1998, no esquema conhecido como mensalão tucano. A
denominação deriva do fato de ter sido imitado depois pelo PT no primeiro
mandato de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência e tendo como operador o
mesmo Marcos Valério de Souza, o único condenado nos dois processos que ainda
está preso. Azeredo, por exemplo, continua solto, enquanto Zé Dirceu samba em
casa de tornozeleira no calcanhar.
Delatado por Joesley Batista, a quem pediu R$ 2 milhões “para pagar
a um advogado”, Aécio foi protagonista da famigerada reunião do Supremo
Tribunal Federal em que a presidente Cármen Lúcia desempatou a seu favor a
votação para lhe permitir sair de casa à noite. E frequentar durante o
expediente o plenário do Senado. Foi nessa condição de usuário do direito
constitucional de ir e vir que foi a Temer exigir que seu partido seja tratado
com dignidade, o que só merecerá se fechar questão a favor da reforma da
Previdência.
A tal dignidade tem prazo de validade. Até o dia 9 Imbassahy fica,
mas no dia 10 Marun assume. Tendo acompanhado a lealdade canina do nobre
parlamentar a seu ex-presidente e sempre chefe, Eduardo Cunha, recolhido à cela
da Lava Jato em Curitiba, a Nação vê aproximar-se o dia em que o Caranguejo da
Odebrecht partilhará parte do poder do chefe de Estado no semiparlamentarismo
adotado e assumido por Temer com Rodrigo Maia.
Essa é mais uma ironia da deusa Clio, que comanda do alto do Olimpo
nosso destino sorvendo goles de néctar. Com 3% de popularidade, o presidente da
República ficou no posto em troca de votos comprados de deputados que evitaram
o desabamento da espada de Dâmocles sobre seu pescoço e por mercê do medo do
tal do mercado de vê-lo substituído pelo filho de Cesar e dona Mariangeles
Maia. E enquanto Rodrigo Botafogo (no jargão do propinês) comanda o destino das
cidades, Carlos Cunha (ou Eduardo Marun?) tece os fios de Ariadne no reino
desencantado das cumbucas do povo: uma posta, outra emborcada, ambas mandando.
O cara do Cunha assumirá o posto para evitar a derrota anunciada da
reforma da Previdência. Quem o nomeará se esqueceu de que o Centrão pode
derrotá-la, mas não tem força para participar de sua improvável vitória. Este
jornal já informou que dois terços das aposentadorias não seriam afetadas pela
nova versão da reforma. Nem isso, contudo, parece fácil de ser aprovado.
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