No país há várias quadrilhas estruturadas (ilustração: <http://www.fashionbubbles.com) |
MOSCAS SEM ASAS
Assim como a Mãos Limpas, a Lava-Jato está ameaçada
desde quando as investigações atingiram as oligarquias política
Por Gil Castello Branco
O Globo – 21/11/2017
Após a votação da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
(Alerj), lembrei-me de uma das composições do Skank: “Indignação”. (Veja vídeo abaixo) Diz o
refrão: “Eu fiquei indignado, ele ficou indignado, a massa indignada, duro de
tão indignado. A nossa indignação é uma mosca sem asas, não ultrapassa as
janelas de nossas casas”.
De fato, pouca gente estava nas cercanias da Alerj e ninguém nas
galerias, a não ser uns puxa-sacos do bando. Até a oficial de Justiça que
tentou entregar um mandado para que o circo fosse público foi barrada. Em 17 minutos,
39 deputados restituíram o mandato de três colegas presos acusados por
corrupção.
Em momentos assim, as vítimas são a Justiça, a democracia e a nossa
esperança de viver em um país mais digno. Como dizia o educador Paulo Freire,
“num país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato
revolucionário”.
A população — tal como um lutador de boxe nocauteado após muito
apanhar — ficou indiferente à votação, até porque já previa o resultado.
O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu a porta da impunidade aos
políticos ao transferir para o Legislativo a decisão sobre o afastamento do
senador Aécio, em noite que culminou com um voto atabalhoado da ministra Cármen
Lúcia.
Nessa brecha, corruptos já voltaram à vida pública também no Rio
Grande do Norte e em Mato Grosso. Caberá à Suprema Corte deixar claro se todo o
Legislativo poderá cometer crimes e ficar impune ou se essa é uma prerrogativa
exclusiva dos parlamentares federais. Por enquanto, pelo mesmo ralo onde passa
um corrupto federal, passam quadrilhas estaduais. O esgoto é o mesmo.
A Lava-Jato mostrou que a corrupção brasileira não é apenas
episódica, do tipo que existe em todos os países e é combatida com
transparência, controle social e educação de qualidade.
Ratos: eles estão por toda parte Ilustração: Depositphotos |
No país há várias quadrilhas estruturadas — que precisam ser
extirpadas — compostas por políticos, agentes públicos e empresários, tendo
como alvo negócios bilionários do Estado, sejam contratos, subsídios, isenções
fiscais, concessões, financiamentos, autorizações tarifárias e tudo o mais que
possa gerar propina.
No Rio de Janeiro, porém, o roubo foi potencializado a partir do
momento em que políticos com interesses comuns passaram a ter domínio sobre o Estado,
a prefeitura, a Alerj e, inclusive, o Tribunal de Contas. Assim, ficaram
reunidos sob o mesmo comando quem legisla, contrata, executa, paga e fiscaliza,
um verdadeiro paraíso para os corruptos.
Daí a importância de se alterarem as legislações que permitem o
vaivém de políticos entre o Legislativo e o Executivo, bem como a composição
dos tribunais de contas de forma a impedir a politização.
Mas tal como aconteceu com a operação Mãos Limpas, ocorrida na
Itália, a Lava-Jato está ameaçada desde quando as investigações atingiram as
oligarquias políticas.
Assim, no Congresso está em curso a CPI da JBS, que tem como alvo
principal o Ministério Público. Na Câmara, tramita o projeto de abuso de
autoridade, que tenta constranger promotores e juízes. Outras propostas alteram
a Lei da Ficha Limpa e impedem a delação de presos.
No STF, a qualquer momento pode ser rediscutida a prisão a partir da
condenação em segunda instância e já existem objeções para homologação das
delações premiadas. O foro privilegiado continua a ser um passaporte para a
impunidade.
No Executivo, as designações da Procuradora-Geral da República e do
diretor-geral da Polícia Federal geraram receios por terem contado com o apoio
ou a indicação de investigados.
Ambos manifestaram preocupação com os “vazamentos”, enquanto a
sociedade está preocupada é com maior publicidade. Em se tratando de homens públicos,
é essencial termos conhecimento do inteiro teor das denúncias/delações, dos
argumentos de defesa, da tramitação das ações e dos julgamentos.
Desde que a transparência não prejudique o aprofundamento das
apurações, não há razão para sigilo.
Em alguns meses saberemos se as instituições estão realmente
funcionando e atuando em defesa do Estado, ou se os brasileiros estão fadados a
permanecerem comandados por uma corja de políticos sem escrúpulos que governa,
legisla e indica ministros para tribunais superiores para que sirvam aos seus
interesses.
Voltando ao Skank, precisamos ir além das moscas sem asas. Fazer com
que a nossa indignação ultrapasse as janelas das nossas casas e chegue às ruas
e às urnas. Tal como dizia Santo Agostinho, a esperança tem duas filhas lindas,
a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como
estão; a coragem, a mudá-las.
Gil Castello
Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação
Contas Abertas
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