Ilustração: YouTube |
MAU EXEMPLO
Quanto mais descrente da classe política fica a população,
mais espaço ganham as falsas, perigosas e indesejáveis soluções
Por Claudio Lamachia
O Globo – 21/11/2017
A despeito do importante trabalho de investigação em curso,
responsável por colocar luz sobre os meandros obscuros da política, existe uma
percepção generalizada de que predomina no país o desgoverno.
Essa sensação é reforçada a cada novo episódio de tensão entre as
autoridades e instituições da República e a cada novo escândalo de corrupção. O
cenário é preocupante.
Quanto mais descrente da classe política fica a população, mais
espaço ganham as falsas, perigosas e indesejáveis soluções.
Em meio à mais grave crise política e ética vivida pelo país desde a
redemocratização, é válido questionar a escassez de bons exemplos entre os
ocupantes das altas esferas de poder. Esse vácuo agrava a crise, perpetua um
temerário estado de ressentimento social, dificulta a busca por soluções e
ajuda a difundir, ainda mais, os efeitos deseducativos da corrupção.
Um contraexemplo singelo, mas forte em conteúdo simbólico, pôde ser
visto em vídeo viralizado recentemente pela internet. Um bando de assaltantes
usa referências da política atual enquanto assalta um cofre, levando maços e
maços de dinheiro.
Orgulhosos, eles se comparam ao ex-ministro Geddel Vieira Lima.
Citam o presidente Michel Temer, o ex-presidente Lula e o deputado Jair
Bolsonaro. Eis a situação: setores da política, fundamentais para o funcionamento
das instituições, figuram como inspiração manifesta de feitos deste calibre.
Essa carência de boas referências é sintoma de um problema maior:
parte substancial da classe política resolveu apostar tudo o que lhe resta em
sua própria sobrevivência, dando as costas para a construção de consensos e de
pactos que permitam saídas conjuntas, moderadas e razoáveis. Prova disso são as
distorções no já tímido alcance da reforma política em andamento.
Quem imaginaria que o projeto serviria de subterfúgio para a
aprovação de um fundo público indecente para financiamento de campanhas?
Lamachia é presidente nacional da OAB
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
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A grande lição precipitada pela crise é que o “salve-se quem puder”
resulta na piora da situação de todos. É hora de mudar de atitude e de promover
o bem comum como forma de garantir o bem individual de todos.
A Ordem dos Advogados do Brasil, maior entidade civil do país, com
mais de um milhão de inscritos, diz não ao desvio. Pediu a cassação de Eduardo
Cunha, o impeachment de Dilma Rousseff e o de Michel Temer. Não existe lado
quando o assunto é a aplicação da lei.
O impedimento de Temer, infelizmente, continua engavetado pela
Câmara dos Deputados, que dá outro péssimo exemplo. O mesmo faz o Conselho de
Ética do Senado ao não abrir o procedimento capaz de dizer se as acusações
contra o senador Aécio Neves são ou não procedentes.
A guinada para o bom exemplo não é fácil e depende de um esforço
coletivo intenso. A sociedade civil deve estar comprometida com o respeito à
Constituição e com o dever cívico da escolha criteriosa dos candidatos na
próxima eleição. O preço do voto errado, como temos visto, é muito alto.
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