FOTO: RIOTUR |
A TRAJETÓRIA RIO ABAIXO
É insuportável viver num país onde os bandidos fazem a lei.
O Rio é o núcleo dramático dessa desgraça nacional
Por Fernando Gabeira
O Globo – 19/11/2017
Quando menino, vi as luzes do Rio e me apaixonei. A escola nos
trouxe para uma excursão a Petrópolis. A professora, generosamente, permitiu
que o ônibus avançasse um pouco para nos maravilhar com a visão. Mais tarde, li
no romance “Judas, o obscuro”, de
Thomas Hardy, uma experiência semelhante: o personagem também admirava a cidade
grande longe, fixado em suas luzes.
Assim que minha segurança profissional permitiu, ainda quase
adolescente, mudei-me para o Rio, apenas com a mala de roupas, decidido a nunca
mais sair. Ao voltar do exílio, apesar do avanço cultural em São Paulo, decidi,
ou algo decidiu dentro de mim, ficar. Sei apenas que moro aqui, tive filhas e
neto no Rio e não pretendo sair.
Mas a crise que o Rio vive é a mais grave que presenciei. Às vezes,
repito aqui a pergunta de Vargas Llosa sobre o Peru, nas primeiras linhas de
seu romance “A cidade e os cachorros”:
quando é que o Rio se estrepou? É uma reflexão que pode começar com a mudança
da capital, passar pelas várias experiências de populismo de esquerda para
acabar se fixando no encontro do PT com Cabral e toda a sua quadrilha. Entre
eles, um coadjuvante de peso: o petróleo.
Às vezes, pergunto se fiz tudo o que poderia para evitar esse
desastre. Confesso que, apesar de denunciá-los em várias campanhas, não tinha a
verdadeira dimensão da rapina que iriam promover no Rio. Lembro-me que, em
2010, a “Folha de S. Paulo” publicou
uma fala em que eu tentava descrever o projeto de Cabral. Comparava-o à tática
das milícias que dão segurança a uma determinada área e são livres para cometer
crimes. Disse que o instrumento dessa barganha eram as UPPs. A opinião pública
ficaria satisfeita e Cabral teria as mãos livres para a pilhagem.
CABRAL: O BANDIDAÇO |
Questionei Cabral em vários debates de TV, sobre corrupção na saúde,
politicas sociais etc. Não poderia imaginar que o arrogante adversário gastava
R$ 4 milhões mensais com suas despesas particulares. O esquema monstruoso que
contou com generosas verbas federais, royalties do petróleo e uma desvairada
política de isenção de impostos corrompeu todas as dimensões do governo e
talvez mesmo da vida cultural do Rio, entendida num sentido mais amplo.
Cabral caiu com seus asseclas. Em seguida, tombaram os conselheiros
do Tribunal de Contas. Começa a cair agora a base de sustentação parlamentar de
Cabral, Picciani à frente. O círculo da corrupção estava fechado. Não havia
brechas. Era uma trama criminosa perfeita, com todos os seus anéis de
legitimação. Nada ficou de pé, exceto sombras do passado, como Pezão e uma
Assembleia, com raras exceções, totalmente desmoralizados.
A performance de Pezão como morto-vivo é patética. Ele indicou um
deputado para o TCE. O procurador recusou-se a defender essa escolha: era
inconstitucional. O procurador foi demitido por defender a Constituição.
Felizmente, o deputado indicado por Pezão está para ser preso. Foi indicado ao
TCE porque é cúmplice do assalto. A lógica da quadrilha ainda domina o estado.
Em outras palavras, o Rio foi arruinado pela maior quadrilha da História, e
coube aos remanescentes do grupo reconstruí-lo. Eles não sabem nem querem fazer
isto. Seu único objetivo é escapar da Justiça.
SPONHOLZ |
No livro “Sobre a tirania”,
de Timothy Snyder, o autor mostra 20 lições do século XX. Uma delas pode ser
adaptada para o Rio: mantenha a calma quando o impensável chegar. Snyder fala
do terrorismo nessa lição. O impensável chegou ao Rio não na forma do
terrorismo, mas na ruína profunda de suas instituições. Ele explode na
violência cotidiana, crise econômica, desemprego e miséria.
Em outras circunstâncias, a única saída seria uma intervenção
federal. Mas o governo de Brasília é também um remanescente do esquema
gigantesco que arruinou o país. Não tem força nem legitimidade. A última
esperança está na própria sociedade. Uma ilusão a enfraquece: esperar 2018 para
realizar a mudança.
Em outros estados, isso pode fazer sentido. Não consigo imaginar
como o Rio resistirá a mais um ano de bandidos no poder e a todas as
consequências da presença da quadrilha no governo. De que adianta prender
deputados como Picciani se a Assembleia está pronta para soltá-los?
No espírito de manter a calma quando o impensável chegar, a
sociedade precisa discutir logo não apenas as grandes saídas, mas também a
solução emergencial. O problema central é este: o que fazer com as grandes
quadrilhas que dominam o estado? Como tomar iniciativas imediatas, para não ter
de mudar daqui no futuro próximo? Não tenho resposta pronta. Sei apenas que é
preciso enfrentá-los, derrubá-los e substituí-los. Isso precisa ser feito
agora.
Já disse no alto de um caminhão de som, em debates e palestras: é
insuportável viver num país onde os bandidos fazem a lei. O Rio é o núcleo
dramático dessa desgraça nacional.
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