Willian Waack (Foto: Arquivo Google) |
A RESPEITO
DE CRIME
A história que a Rede Globo
e a mídia brasileira sustentam,
em peso, sobre a execução do
jornalista William Waack
é um hino à mentira – e
talvez um crime
Por J. R. Guzzo
13/11/2017 – 23h44
O
assassinato a pedradas da reputação e da carreira do jornalista William Waack,
numa operação conjunta entre a Rede Globo, as “redes sociais” e os veículos de
comunicação deste país, que correram para prestar apoio imediato aos patrões no
ato de apedrejamento do colega, já tem lugar garantido na miserável história da
infâmia brasileira. É uma história construída de atos rasteiros, algozes
pequenos e justiceiros hipócritas – sejam eles os autores do linchamento ou
seus cúmplices. No momento ela se faz em nome das pessoas que, segundo
determina o evangelho corrente, “não tinham voz”, nem “atenção”, nem “acesso à
mídia” – negros, gays, mulheres, ecologistas, quilombolas, índios,
vegetarianos, ciclistas e quem mais der um jeito de entrar nesse bonde. O
problema, como sempre acontece em casos de linchamento, é a obrigação, por
parte dos linchadores, de criar uma mentira para justificar o que fizeram. A
mentira, no caso de William, é dizer que ele “mereceu” a punição aplicada pelos
empregadores. A mensagem que tentam passar é a seguinte: “Sim, claro, é preciso
cuidado com essas denúncias das redes sociais. Não se pode ir linchando as
pessoas assim sem mais nem menos. Mas num caso de racismo como esse o castigo
foi justo.”
Só que não
há racismo nenhum nos atos do jornalista, nunca houve, e tanto é assim que não
existe um único fiapo de manifestação racista em nada do que disse na televisão
ou escreveu em jornais e revistas durante mais de 40 anos de profissão. Mais:
na sua vida pessoal, na qual teve contato frequente com colegas negros ou de
outras etnias, há repetidos episódios de comportamento impecável diante de
todos – algo perfeitamente verificável a qualquer momento, se alguém, na Globo
ou no resto da imprensa, tivesse tido o interesse de verificar alguma coisa
antes de sair gritando “racismo”. Mas ninguém perguntou nada. A verdade, no
Brasil de hoje, é uma nota da Globo e as “pesquisas” sobre o que está sendo
dito nas “redes sociais”.
Racismo é
crime, dizem todos. Tem de haver mais punição para William. A demissão é pouco.
Eis aí um aspecto muito interessante dessa história. Sim, racismo é crime. Mas
quando você acusa alguém de um crime, qualquer crime, e não prova a sua
acusação, você está praticando um outro crime – a calúnia, descrita no artigo
138 do Código Penal Brasileiro. A Globo, como foi escrito e não pode mais ser
apagado, disse que “ao que tudo indica” William proferiu ofensas raciais. Como
assim, “ao que tudo indica”? Ofendeu ou não ofendeu? Um estagiário de advocacia
sabe que precisa muito mais do que isso para chegar na frente de um juiz com
uma acusação – ainda mais uma acusação que foi aceita pelos chefes como fato
consumado, sem qualquer investigação séria, e gerou o afastamento imediato da vítima.
Para se defender da acusação de ter praticado calúnia, a Globo terá de dizer
que não acusou seu funcionário de ter cometido o crime de racismo. Nesse caso,
porque tirou-lhe o cargo e contou para todo mundo em nota oficial? A
alternativa é abandonar o “ao que tudo indica” e dizer, com todas as letras,
que William fez, sim, insultos raciais em público – só que aí vai ser
obrigatório provar isso. Talvez não seja o jornalista, na verdade, quem está
mais necessitado em demonstrar inocência à essa altura.
***
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