segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A COLUNA DO CLÓVIS

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NA FEIRA COM PROUST

(Por Clóvis Campêlo) Não existe nada mais nordestino do que o verde da cana-de-açúcar ilustrando e adoçando os campos da zona da mata pernambucana. Essa visão sempre me invadiu as retinas desde a mais tenra idade. Como já disse o poeta, parafraseando os quatro cavaleiros do após calipso, “sugar fields forever”!

A monocultura da cana, aliás, alimentou toda uma cultura literária baseada na sua organização produtiva, social e econômica. Somos o povo do açúcar, com tudo de bom e de ruim que isso possa ter nos trazido. Da casa grande à senzala, passando pela mansão de Apipucos e pelas delícias do famosíssimo licor de pitanga. Saravá!

Lembro com carinho do meu avô paterno, seu Zeca, de manhã bem cedo, comendo o seu ovo frito com açúcar. Lembro também da minha mãe, dona Teresa, que gostava de comer carne guizada desfiada com açúcar. Lembro dos bolos de rolo das tias, do bolo formigado de dona Carmelita, a minha avó materna. Lembro até do falecido senador e governador biônico de Pernambuco Nilo Coelho, no qual nunca votei, gordo e bonachão, já diabético, no fim da vida, desfiando as orientações médicas e se deliciando com o sorvete de manga da Fri-sabor, sorveteria quase cinquentenária e tradicional do Recife. Enfim, cresci desejando e comendo açúcar como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Equivocadamente, ou não, a felicidade sempre me pareceu branca e doce como o açúcar.

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Para mim, portanto, tornou-se uma tradição, sempre que possível, nas manhãs alegres e iluminadas dos sábados, ir à feira do Cordeiro, bairro situado na zona oeste do Recife, onde moro há mais de vinte anos, e tomar um caldo de cana com limão e bolo bacia. Verdadeiro maná dos céus. Ir ao Mercado de São José e não tomar um caldo de cana com bolo bacia? Nem pensar! Visitar a Feira de Caruaru e não degustar a delícia divina? Nunca!

Mas, o que teria o tão distante Marcel Proust a ver com tudo isso?

Nem eu mesmo saberia responder, caros amigos, se não me tivesse chegado às mãos, através do poeta José Rodrigues Correia Filho, uma edição antiga e bem editada da infelicidade proustiana contada no livro “Em busca do tempo perdido”.

As famosas “madeleines”, bolo pequeno e tradicional da região de Lorraine, no nordeste da França, apreciadas com devoção pelo pequeno e angustiado personagem proustiano, nada mais são do que os apetitosos bolinhos bacia que devoro com caldo de cana, nas feiras do Recife, com satisfação, nos dias iluminados de sábado.

Nesses dias, Proust sempre esteve comigo e nem eu mesmo sabia.

Saravá!


Recife, 2010

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