Prince, vítima dos opiáceos |
DEZ
MILHÕES DE ZUMBIS
Quando
um dependente para de tomar a droga, cada músculo,
cada
nervo, cada articulação doem. Insuportavelmente
Por
Nelson Motta
O
Globo 03/11/2017
Viver
nos Estados Unidos dói. Até Trump está sentindo e, como não pode prender todo
mundo, decretou estado de emergência de saúde pública para enfrentar a “crise
dos opiáceos” que assola o país, com mais de seis milhões de dependentes de
analgésicos tarja preta à base de ópio.
São
drogas muito potentes, ótimas contra a dor, mas, se usadas abusivamente, exigem
doses cada vez mais fortes, até o usuário se tornar dependente. Substituída
pelos opiáceos, a hipófise para de produzir endorfina, o hormônio analgésico
natural que nos permite viver sem dor.
É
cruel. Como o corpo não produz mais endorfina, quando um dependente para de
tomar a droga, cada músculo, cada nervo, cada articulação doem.
Insuportavelmente. E só o que pode tirar a dor é... um analgésico, justamente a
origem do problema. Não há o que fazer, a não ser gritar, chorar e aguentar o
tranco, até a vontade passar, ou voltar à droga e começar tudo de novo. E
morrer.
Os
efeitos colaterais são dramáticos: como os analgésicos e as receitas médicas
fajutas, mesmo em um país de fiscalização rigorosa, foram se tornando cada vez
mais caros, muitos dependentes passaram a consumir a heroína vendida mais
barato nas ruas, derivada do ópio que provoca efeitos — e consequências —
semelhantes. Hoje, quatro milhões de americanos são dependentes de heroína.
Balanço
macabro: 65 mil mortes por overdose no ano passado. Vítimas mais ilustres de
opiáceos: Michael Jackson e Prince, que não compravam as drogas, contratavam os
médicos que as prescreviam e aplicavam.
Parece
uma metáfora dos Estados Unidos de hoje, com dez milhões de zumbis (um
Portugal, uma Cuba) não em busca de prazeres fugazes na noite, como os
consumidores de metanfetamina e outras drogas sintéticas, mas apenas para não
sentir dor e dormir.
Enquanto
isso, mais de 20 estados liberaram o consumo medicinal da maconha, por seus
efeitos calmantes e analgésicos, sem problemas na criminalidade ou na saúde
pública. Não, a maconha não é a porta de entrada para drogas mais pesadas: a
maioria dos dependentes de analgésicos e de heroína entra pela porta do álcool
e da cocaína.
Nelson
Motta é jornalista
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