Eles são todos "compadres" Ilustração: Marcelo, de O Globo |
NÃO
TEM CABIMENTO
O
salário do trabalhador brasileiro é de R$ 2,2 mil,
a
metade do auxílio recebido pelo deputado
para
morar de graça na cadeia
Por
Carlos Alberto Sardenberg
O
Globo – 09/11/2017
Um
deputado federal que está preso e, pois, vivendo às custas do Estado, tem
direito a auxílio-moradia pago pela Câmara?
Está
de brincadeira — responderia qualquer pessoa com um mínimo de bom senso. Se o
tal auxílio é para custear moradia, e se a pessoa já tem alojamento e comida
num estabelecimento público, é claro que não tem como receber o auxílio.
Pois
a direção da Câmara concedeu esse benefício ao deputado Celso Jacob (PMDB-RJ),
condenado pelo STF, detido em Brasília em 6 de junho último e logo encaminhado
ao presídio da Papuda para cumprimento da pena em regime semiaberto — aquele em
que a pessoa só pode sair do presídio para trabalhar.
Sim,
o deputado trabalha. Depois de condenado, pediu e ganhou na Justiça a
autorização para continuar no exercício do mandato. E, com isso, solicitou e
passou a receber o auxílio-moradia de R$ 4.200 mensais, como revelou reportagem
de Eduardo Bresciani, do GLOBO.
A
Câmara paga para que os deputados se apresentem no local de trabalho, em
Brasília. Paga passagem e estada. Já não faz sentido, especialmente pelo modo
como foram introduzidos esses benefícios: para aumentar salário sem parecer que
estava aumentando. Hoje, faz parte. É mais uma mordida nos cofres públicos.
“O
salário médio do trabalhador brasileiro, medido pelo IBGE,
é de
R$ 2,2 mil por mês, ou seja, a metade do auxílio
recebido
pelo deputado para morar de graça na cadeia”
São
três modalidades: o deputado pode optar por um “apartamento funcional”, se
tiver sorte e cacife para encontrar algum; pagar aluguel e ser ressarcido; ou
receber o auxílio-moradia. Antes de ser preso, o deputado Jacob optara pelo
ressarcimento do aluguel, via nota fiscal. Uma vez alojado na Papuda, pediu os
R$ 4.200 mensais. E está recebendo, além de salário e outras verbas de
gabinete.
Questionada
pela reportagem, a Câmara informou que a área jurídica está analisando o caso.
Deve ser uma análise tão profunda como aquela apresentada pela ministra dos
Direitos Humanos, Luislinda Valois, para pedir acumulação de salários.
A
ministra é desembargadora aposentada, pelo que recebe R$ 30,4 mil mensais. Como
ministra, teria direito a outro salário no mesmo valor. Como o teto
constitucional é de R$ 33,7 mil por mês — o vencimento de juiz do STF —
Luislinda leva “apenas”, como alegou, R$ 3,3 mil do salário de ministro. É um
trabalho escravo receber tão pouco por tanto serviço, alegou a jurista.
O
salário médio do trabalhador brasileiro, medido pelo IBGE, é de R$ 2,2 mil por
mês, ou seja, a metade do auxílio recebido pelo deputado para morar de graça na
cadeia. No funcionalismo, o salário médio é de R$ 3,4 mil — igual ao adicional
de escravo que ela recebe para ser ministra de Estado.
Absurdo?
Pois é, porém é mais ainda a gente estar falando disso. Um preso receber
auxílio-moradia de mais de quatro salários mínimos? A ministra reclamar de um
vencimento de R$ 33,7 mil, além de carro, jatinho e cartão corporativo?
“Dos
R$ 4.200 do deputado aos bilhões, o pessoal
vai
arranjando um jeito de tomar uma grana do Estado.
Quer
dizer, do nosso bolso”
Não
tem o menor cabimento que os processos tenham sido encaminhados. A ministra
desistiu do pedido. Se tivesse insistido, porém, é bem capaz que tivesse
recebido. Como o deputado recebe. E como tantos funcionários recebem acima,
muito acima do teto, com os diversos penduricalhos, vale-refeição,
auxílios-moradia, de transporte e educação, considerados legalmente
“extrateto”.
Arranjar
um jeito de tomar um dinheiro do Estado — eis a prática disseminada no setor
público e no ambiente político. Tudo é tratado como se fosse uma coisa normal.
Qual o problema de um juiz chegar a receber R$ 500 mil por mês? Ainda outro
dia, o ministro Marco Aurélio garantiu o auxílio-moradia de juízes do Rio
Grande do Norte, pagamento que o Conselho Nacional de Justiça considerara irregular.
É que os juízes já tinham recebido o auxílio, alegou o ministro, de modo que
devolver o dinheiro causaria dano patrimonial. A eles, claro. E ao Estado? A
conta.
Querem
ver outra? A JBS entra no Refis, parcela dívida de R$ 4,2 bilhões e ganha um desconto
de R$ 1,1 bilhão, além de prazo amplo para pagar.
Reparem:
a empresa recebeu vários financiamentos favorecidos do governo e... cometeu
crimes e não pagou impostos. E pode entrar no Refis?
É
um crime continuado — assaltos seguidos aos cofres públicos. Não tem cabimento.
Mas está na lei. Dos R$ 4.200 do deputado aos bilhões, o pessoal vai arranjando
um jeito de tomar uma grana do Estado. Quer dizer, do nosso bolso.
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