ESTAMOS
FALANDO DA MESMA COISA?
(Por Fernando Gabeira) Acordei
na segunda-feira com um travo na garganta. A Câmara dos Deputados votou o
impeachment. Era o desejo da maioria. Mas a maneira como o fez, com aquela
sequência de votos dedicados à família, a filhos, netos e papagaio, com
Bolsonaro saudando um torturador… fui dormir como se estivéssemos entrando na
idade das trevas.
Entretanto,
quando me lembro das grandes demonstrações, sobretudo nas áreas metropolitanas
do Brasil, constato que os deputados inventaram um enredo próprio para o
impeachment. Não há sintonia com a realidade das ruas. Isso é demonstrado pela
própria reação nas redes sociais.
O
Brasil parece ter descoberto um Congresso que só conhecia fragmentariamente.
Isso dói, mas em médio e longo prazos será bom.
Na
segunda passada, na minha intervenção radiofônica, previ essa cantilena. Foi
assim no impeachment de Collor. De lá para cá, o Congresso, relativamente,
decaiu em oratória e cresceu em efeitos especiais. Houve até uma bomba de papel
picado no plenário.
Durante
anos as coisas se degradaram por escândalos no aumentativo: mensalão, petrolão.
No impeachment, os 511 deputados passaram por um raio X do cérebro, diante de
cerca de 00 milhões de expectadores.
Visto
de fora, abstraindo a causa das ruas, foi um espetáculo grotesco. Isso implica
consequências. Agora todos têm ideia ampla da Câmara real. Durante os debates,
viram vários dedos apontados para Eduardo Cunha. Numa escala de golpista,
corrupto e gângster. E Cunha ouviu tudo, gélido, apenas esfregando as mãos.
Tem
de ser o próximo a cair. Sua queda une os dois lados do impeachment, sem muros.
Nem que se tenha de pedir socorro ao Supremo, tentar comunicar aos ministros a
sensação de urgência da queda de Cunha.
O
descompasso entre a sociedade, que pede uma elevação no nível político, e a
Câmara pode levar a um novo comportamento eleitoral. O impeachment é uma tentativa
de iniciar o longo caminho para tirar o Brasil da crise. Algumas pessoas
choraram pelo resultado, outras, como eu, choraram apenas pelo texto.
Compartilho
parcialmente a sua dor. Mas os generais da esquerda as levaram para uma batalha
com a derrota anunciada. Mascararam de perseguição política um processo
policial fundamentado, com provas robustas e até gente do PT na cadeia. Ao
classificarem como golpe o impeachment, tentaram articular o discurso salvador
que pudesse dar-lhes algum abrigo dos ventos frios que sopram de Curitiba.
Sobraram
motivos para ressaca do day after. O essencial, se tomarmos a crise como
referência, é que o processo siga seu curso da forma que prevê o rito, que é
razoavelmente rápida.
Muito
brevemente o centro do processo será Michel Temer. As coisas que vazam de seu
refúgio não são animadoras. Por exemplo, consultar um ex-ministro da
Comunicação de Dilma que propunha uma articulação do governo com a guerrilha na
internet. O próprio ex-ministro deveria ser mais leal a Dilma.
Aliás,
o rosário de traições na Câmara foi deprimente. Um deputado do Ceará disse:
desculpe, presidente, mas voto pelo impeachment. É um espetáculo da natureza
humana que me fez lembrar as traições a Fernando Collor. Gente que jantou com
ele na noite anterior ao impeachment.
Costumo
deixar essas considerações gerais para domingo. O foco é o processo de
impeachment como esperança de dar um passo para enfrentar a crise. Deixo apenas
esta lembrança para exame posterior: com 90 deputados investigados, a Casa
Legislativa que existe legalmente cassou Dilma. Mas agora que todos os
conhecem, não seria o momento de questionar o foro privilegiado?
Ao
longo de 16 anos de Congresso, sempre defendi privilégio para o direito de voz
e voto, como na Inglaterra. Fora daí, Justiça comum.
É
um fragmento de uma reforma política que pode vir de baixo, como a Lei da Ficha
Limpa. E a mensagem é clara nestes tempos de Lava Jato: a lei vale para todos.
Se
os processos de impeachment, no Brasil, acontecem de 20 em 20 anos, creio que
este foi o último a que assisti. Privilégios da idade.
É
preciso pensar agora na transição. A de Itamar era mais leve. Ele não tinha
partido forte, não era candidato. Temer tem uma energia pesada em torno dele. A
começar por Cunha.
Em
tese, precisa tocar o barco e contribuir para que alguns corpos caiam no mar.
Se não contribuir, vão cair de qualquer maneira, só que de forma mais
embaraçosa. O que está em jogo é o destino de muita gente, um projeto para sair
da crise.
Já
que decidiu ficar calado por um tempo, Temer deveria pensar. O cavalo que chega
encilhado à sua frente é um cavalo bravio. Para montá-lo é preciso coragem.
A
vitória do impeachment na Câmara dos Deputados foi resultado do movimento de
milhões de pessoas indignadas com a corrupção, castigadas pela crise econômica.
Se
considerar apenas o resultado da Câmara, não tocará nos dois temas ao mesmo
tempo. Mas se considerar o esforço social que levou a esse resultado, não pode
ignorar o problema da corrupção, como se ela estivesse indo embora com os
derrotados de agora.
Com
mais faro para o desastre, o PMDB pode organizar melhor que o PT a sua
retirada. Compreender, por exemplo, que não está chegando ao poder, mas se
preparando para sair dele com estragos menores nos seus cascos bombardeados
pelos canhões da Lava Jato.
É
uma transição na tempestade até 2018. Nenhuma força política sabe se chegará lá
ou como chegará. Diante da vigilância social, o jogo ficou mais complicado.
Mas
esse é o nível do nosso universo político. Do salão verde para o azul,
espera-se uma ligeira melhora no Senado. Ainda assim, é longo e espinhoso o
caminho de uma renovação política no Brasil.
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