TROCA DE BARALHO
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de VEJA
(Por J. R. Guzzo) Uma
das perguntas preferidas, entre tantas que são feitas em momentos de desastre,
é: “Por que, no fim de todas as contas, deu nisso?”. Há pelo menos umas boas 25
opções de resposta para explicar a liquidação da presidente Dilma Rousseff e
seu governo, colocados agora na reta final com a decisão da Câmara dos
Deputados. De todas as respostas possíveis, uma das mais acertadas está
provavelmente entre as mais simples: ao longo de toda a sua agonia, Dilma
jamais conseguiu se defender com coerência das acusações que recebeu. Em vez de
buscar ajuda nos fatos para fazer sua defesa, foi procurar salvação numa frase
de palanque: “Impeachment é golpe”. O resultado concreto desse esforço foi a
derrota que acaba de sofrer no plenário da Câmara. Seu grito de combate
convenceu os que não precisavam ser convencidos de nada, e que são os mesmos de
sempre ─ intelectuais etc., mais os “movimentos sociais” que vivem de dinheiro
público e movimentam basicamente a si próprios. Mas não convenceu a única
plateia que interessava, por ser a única capaz de resolver o seu problema: os
deputados federais brasileiros. Fim da conversa.
Parece
claro, em todo caso, que nunca existiu dentro dos limites da força humana
nenhuma possibilidade de fornecer a Dilma uma defesa minimamente razoável. A
presidente está sendo deposta, do ponto de vista técnico, por fraude nas contas
públicas, e por nada mais. É rigorosamente fora de propósito, ao mesmo tempo,
esperar que na hora do julgamento alguém consiga esquecer o monumento histórico
à corrupção, à incompetência e à insensatez que foram os seus cinco anos e
tanto de governo. Dilma não praticou todos os erros, é claro ─ aliás, ninguém
tem tempo para errar tanto, e além do mais a desgraceira geral começou nos
governo do seu antecessor. Mas ela é a responsável, sim, pelos erros cometidos.
Quem esteve no comando do barco durante todo esse tempo? Foi ela, e mais
ninguém. Não dá para dizer, agora, “eu não sabia”, ou “não era isso que eu
queria”, ou “não fui eu” quem roubou, quem arruinou a Petrobras, quem criou 10
milhões de desempregados, quem levou a indústria brasileira a seu estágio de
setenta anos atrás, quem transformou os fundos de pensão das estatais em
atividade criminosa, e por aí afora. Defender-se como, desse jeito?
Também
não funcionou, pelo jeito,
a
genialidade política que se atribui a Lula,
e
que iria “mudar tudo” no fim do jogo
O
que lhe ocorreu, a ela e sua tropa, foi ficar dizendo “não vai ter golpe”. Fora
isso, o governo limitou-se a praticar truques. Mandou ministros se licenciarem
para votar contra o impeachment na Câmara. Tentou-se colocar Lula na Casa
Civil. A um certo momento pensaram em baixar o preço da gasolina. Cargos
públicos foram postos em venda aberta em troca de votos. Quiseram jogar a culpa
de tudo em Michel Temer e Eduardo Cunha, esquecidos de que o vice, ainda faz
pouco tempo, era o grande “coordenador político” do governo ─ chegou-se a
garantir que ele ia “liquidar a fatura” em favor de Dilma. E Cunha? Jamais se
menciona que foi nos governo do PT, e não durante o reinado de dom Pedro II,
que o deputado praticou todos os delitos de que é acusado. A cada dois ou três
desses espasmos, anunciavam que a situação estava “virando”. Virava, virava ─ e
voltava ao ponto de partida. Também não funcionou, pelo jeito, a genialidade
política que se atribui a Lula, e que iria “mudar tudo” no fim do jogo. O ex-presidente
bem que tentou. Deu, e deu, e deu na chave de partida ─ só que o motor não
pegou. Lula já foi capaz de eleger postes como Dilma Rousseff, mas não é
curandeiro de pacientes desenganados. Dizem que consegue dar nó em pingo de
água ─ poder ser, mas precisa de água. Além disso está ocupado, acima de tudo,
em salvar a si próprio.
Hora
de trocar o baralho.
José Roberto Guzzo é do Conselho Editoral da Abril e colunista das revistas EXAME e VEJA |
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