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TRAGÉDIA CARIOCA
Foi
assim durante quase duas décadas. Logo cedo, alguém punha a velha no sol; logo
depois, às vezes nem tão logo assim, outro alguém tirava a velha do sol. Diariamente,
o ritual se repetia – exceto, obviamente, nos dias de chuva.
No
começo, era quase farra, tarefa dividida pela família. Filho, nora e netos se
revezavam. O cachorro de estimação se divertia a valer com a turma empurrando a
cadeira de rodas da velha até o quintal.
As
crianças cresceram, foram cuidar da vida. O cachorro de estimação morreu. Seu
substituto – ninguém sabe por que – odiava a velha e sua cadeira de rodas.
A
tarefa de pôr e tirar a velha do sol virou função da empregada. A situação
apertou. Sabem como é? Viver de aposentadoria é uma desgraça daquelas. A
empregada se foi com os salários atrasados. Com ódio de todos da casa,
especialmente da velha.
Alquebrados,
filho e nora passaram, então, a dividir a tarefa de pôr a velha no sol e tirar
a velha do sol. Naquele dia, filho e nora cumpriram apenas parte da tarefa:
colocaram a velha no sol...
Rio,
45 graus.
No
dia seguinte, a velha, que era tão branquinha, foi enterrada mais escura que
Clementina de Jesus. Nenhuma lágrima foi vertida pela família.
BODAS DE OURO
-
Cadê meu chinelinho de quarto, meu velho?
-
Não sei, não, querida. Vou procurá-lo.
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