quarta-feira, 6 de abril de 2016

QUASE HISTÓRIAS (XLVI)

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TRAGÉDIA CARIOCA

Foi assim durante quase duas décadas. Logo cedo, alguém punha a velha no sol; logo depois, às vezes nem tão logo assim, outro alguém tirava a velha do sol. Diariamente, o ritual se repetia – exceto, obviamente, nos dias de chuva.

No começo, era quase farra, tarefa dividida pela família. Filho, nora e netos se revezavam. O cachorro de estimação se divertia a valer com a turma empurrando a cadeira de rodas da velha até o quintal.

As crianças cresceram, foram cuidar da vida. O cachorro de estimação morreu. Seu substituto – ninguém sabe por que – odiava a velha e sua cadeira de rodas.

A tarefa de pôr e tirar a velha do sol virou função da empregada. A situação apertou. Sabem como é? Viver de aposentadoria é uma desgraça daquelas. A empregada se foi com os salários atrasados. Com ódio de todos da casa, especialmente da velha.

Alquebrados, filho e nora passaram, então, a dividir a tarefa de pôr a velha no sol e tirar a velha do sol. Naquele dia, filho e nora cumpriram apenas parte da tarefa: colocaram a velha no sol...

Rio, 45 graus.

No dia seguinte, a velha, que era tão branquinha, foi enterrada mais escura que Clementina de Jesus. Nenhuma lágrima foi vertida pela família.


BODAS DE OURO

- Cadê meu chinelinho de quarto, meu velho?

- Não sei, não, querida. Vou procurá-lo.




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