FOI LULA QUE COMEÇOU
Publicado
no Globo
(Por Carlos Alberto
Sardenberg) A presidente Dilma tem razão. Ela não é a
única culpada pela crise brasileira. Lula iniciou os estragos. É difícil marcar
datas em política econômica — os erros, assim como os acertos, demoram a
aparecer — mas pode-se dizer que Lula começou a introduzir um viés de
esquerda-populista por volta de 2005, quando reagia ao Mensalão. Nesse ano, em
junho, Dilma Rousseff assumiu a Casa Civil, passando a ser um contraponto ao
então todo poderoso ministro da Fazenda Antonio Palocci.
Ficou
assim: de um lado, a política econômica neoliberal, ortodoxa, tocada pela dupla
Palocci/Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) e, de outro, a
oposição interna, à esquerda, de Dilma. Ao longo do tempo, a balança pendeu
para o lado de Dilma, afinal escolhida candidata em 2010.
Essa
disputa se materializou em torno de dois temas-chave: superávit primário versus
aumento de gastos públicos praticamente sem limite; buscar a meta de inflação
de 4,5% versus tolerar inflação mais alta.
Lula
havia topado a ortodoxia não por acreditar nisso,
mas
por medo. Iniciou seu governo, em 2003,
sob
imensa desconfiança
Alguns
momentos importantes dessa disputa: em novembro de 2005, Dilma produziu
relatório dizendo que Palocci estrangulava o governo com seu controle de
gastos; logo em seguida, Dilma desqualificou como tosco e rudimentar um plano
de ajuste fiscal de longo prazo, defendido por Palocci; em março de 2006
Palocci caiu, substituído por Guido Mantega, aliado de Dilma e que comandaria a
“nova matriz”, causa imediata do atual desastre, no primeiro mandato da
presidente.
No
final do governo Lula, o único pilar da política econômica ortodoxa que
permanecia de pé era o BC de Meirelles. A dupla Dilma/Mantega tentou
derrubá-lo. Lula quase topou, acabou desistindo. Seria uma complicação inútil,
mesmo porque Meirelles entregava inflação em torno da meta e juros baixos para
o momento. Com a saída de Meirelles, já no governo Dilma, o populismo imperou
sem limites.
E
Lula aplaudiu. Ele havia topado a ortodoxia não por acreditar nisso, mas por
medo. Iniciou seu governo, em 2003, sob imensa desconfiança. O dólar havia
chegado a R$ 4,00 quando ele foi eleito (seria o equivalente hoje a seis
reais), houve fuga de capitais, alta de juros e da inflação. A percepção era
clara: Lula vai desmontar o Real, a estabilidade fiscal, o regime de metas de
inflação.
A
montagem de uma equipe super-ortodoxa começou a mudar essa sensação. A ação
efetiva dessa equipe — logo de cara produzindo o maior superávit nas contas
públicas da era do Real — virou o jogo. A estabilidade deu ganho de renda e
permitiu a volta do crédito, com a consequente expansão do consumo. Acrescente
aí o boom das commodities — o Brasil exportou duas vezes mais pelo triplo do
preço — e Lula nadou de braçada. Sobrou dinheiro, sobraram dólares.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista |
Curioso:
sobrou dinheiro para gastar e começar a introduzir o populismo. Lula fez isso
de diversas maneiras: aumento do gasto com funcionalismo, tanto com mais
contratações quanto com reajustes salariais generosos; aumento real do salário
mínimo, que indexa aposentadorias e outros benefícios pagos pelo governo;
aparelhamento do Estado e estatais com os companheiros; e distribuição de
verbas públicas aos sindicatos e movimentos sociais.
Mas
o movimento mais forte se deu no lançamento de um plano megalomaníaco de
investimentos tanto do governo quanto de estatais. E empurrou bancos públicos
para negócios arriscados e/ou duvidosos.
O
melhor exemplo desse desastre está na Petrobras. Em 2008, Lula obrigou a
empresa a adotar um programa de construção de quatro refinarias (das quais duas
foram abandonadas e duas nem chegaram a um terço, a preço muito maior), ao
mesmo tempo em que ampliava sua atuação para outras áreas e na exploração do
petróleo.
Ficou
assim: a ideologia indicava que se podia aumentar o gasto público sem limite; a
má gestão levou a maus investimentos; e a corrupção, de que só soubemos com a
Lava Jato e que vem desde o primeiro mandato de Lula, completou o desastre.
Parecia
tudo bem enquanto durou o dinheiro obtido com a estabilidade e o boom das
commodities. Dilma achou que estava tão bem que resolveu sepultar de vez o
ajuste fiscal e as metas de inflação.
Hoje,
diz que era impossível perceber a chegada da crise. Lula também tira o corpo.
Mas
esta crise foi produzida meticulosamente pela prática de um típico populismo
latino-americano.
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