quinta-feira, 7 de abril de 2016

A NUVEM PRATEADA


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Tela de Toulouse Lautrec


(Por Glória Braga Horta) Antes de se decidir pela viagem, resolveu consultar o I Ching.  Essa ida à Europa não estava em seus planos naquele momento, não assim tão repentinamente.  Precisava saber se valia a pena embarcar para um destino que talvez não lhe fosse favorável.

Não teve dúvidas ante a resposta decisiva do oráculo: Hexagrama 42 – O Acréscimo. É propício ter em vista um objetivo. É favorável atravessar a grande água.

A Cidade Luz – primeira etapa de sua viagem – deixou-a de tal forma extasiada que ela não conseguia despregar os pés daquele solo magnetizante.  Decidiu ficar até que sentisse esgotar os encantamentos ao seu redor, até que seu coração transbordasse de tanta arte e poesia.

Não se cansava de admirar aqueles jardins magnificamente floridos, as árvores do outono desnudas, com suas folhas alaranjadas caídas ao chão.  Seu espírito inquieto acalmava-se com a magia das noites frias e encantadas pelos troncos retorcidos das árvores. Os galhos envolvidos na penumbra….  Fantasmagórica e misteriosa visão!

Impulsionada com frequência a pegar o primeiro ônibus que aparecesse, deixava-se conduzir sem saber seu itinerário. Nessas ocasiões, imaginava-se envolta numa nuvem prateada. Deixava extravasar toda a fantasia, todos os sonhos lúdicos e romanescos que guardava na alma.

Apesar de não lhe parecer real, ali estava toda a luminosidade que os pintores impressionistas  transportavam para suas telas. Sentia o fascínio que inspirou aqueles artistas da “Belle Époque”.

Atraída por uma forte onda magnética, desce em Pigalle, um dos bairros mais exóticos de Paris.  Era o ambiente da boemia, das prostitutas, dos travestis, do Moulin Rouge… O mundo luxuriante e espetaculoso.

A nuvem prateada ainda a envolvia – como envolvera todos aqueles pintores também – pensou.

Ali, na Place Blanche, aprecia o anoitecer.  Iria agora ver a iluminação do Moulin Rouge, captar um pouco daquela energia impressionante que ele transmitia. De frente para o Moinho, fecha os olhos e visualiza uma das telas que Toulouse-Lautrec pintou de seu interior e vê-se retratada nele, como uma de suas personagens.

Ainda de olhos fechados, não nota que estava sendo observada, quando escuta uma voz grave bem perto de seu ouvido: “Vos papiers, s’il vou plaît”. Era um guardinha pedindo-lhe os documentos… e ela não os tinha! Carregava consigo somente a carteirinha da “L’Alliance Française”. Insuficiente. Ele a convida a acompanhá-lo até o camburão.

A nuvem prateada se desvanece e ela cai de volta à terra…


Mineira de Mutum,
Glória Braga Horta
é jornalista, poeta, cronista,
cantora e tecladista



A viatura está lotada de policiais que a olham de modo malicioso, apesar de discretamente vestida.  – “Montez, montez!”, ordena-lhe o policial. – “Je ne monte pas, je ne monte pas”, retruca, batendo o pé no chão, a mão no quadril.

E não montou mesmo!  “Onde já se viu… entrar num camburão cheio de policiais …”, pensa indignada.   O chefão pergunta sua nacionalidade e o motivo que a levou a Paris. “Sou brasileira e vim a serviço do meu coração inquieto e sonhador”, explica sorrindo. Ele logo percebe tratar-se apenas de uma ingênua e romântica turista.

O jovem policial a acompanha até o ponto de ônibus. Dessa vez, ele sussurra suavemente mais perto ainda de seu ouvido, algumas palavras que ela, com seu parco francês, assim entendeu: “Olha, é muito perigoso andar sozinha por estas redondezas.  Se quiseres conhecer  melhor Pigalle, vem amanhã depois das onze que já estarei de folga!”

Ela pega o ônibus, desce frente ao habitual café bistrô, entra e pede uma taça de vinho.   Delicadamente, sorve o divino e translúcido líquido rubi.


E a nuvem prateada volta a envolvê-la…

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