Tela de Toulouse Lautrec |
(Por
Glória Braga Horta) Antes de se decidir pela viagem, resolveu
consultar o I Ching. Essa ida à Europa
não estava em seus planos naquele momento, não assim tão repentinamente. Precisava saber se valia a pena embarcar para
um destino que talvez não lhe fosse favorável.
Não teve dúvidas ante a
resposta decisiva do oráculo: Hexagrama 42 – O Acréscimo. É propício ter em
vista um objetivo. É favorável atravessar a grande água.
A Cidade Luz – primeira
etapa de sua viagem – deixou-a de tal forma extasiada que ela não conseguia
despregar os pés daquele solo magnetizante.
Decidiu ficar até que sentisse esgotar os encantamentos ao seu redor,
até que seu coração transbordasse de tanta arte e poesia.
Não se cansava de admirar
aqueles jardins magnificamente floridos, as árvores do outono desnudas, com
suas folhas alaranjadas caídas ao chão.
Seu espírito inquieto acalmava-se com a magia das noites frias e
encantadas pelos troncos retorcidos das árvores. Os galhos envolvidos na
penumbra…. Fantasmagórica e misteriosa
visão!
Impulsionada com frequência
a pegar o primeiro ônibus que aparecesse, deixava-se conduzir sem saber seu
itinerário. Nessas ocasiões, imaginava-se envolta numa nuvem prateada. Deixava
extravasar toda a fantasia, todos os sonhos lúdicos e romanescos que guardava
na alma.
Apesar de não lhe parecer
real, ali estava toda a luminosidade que os pintores impressionistas transportavam para suas telas. Sentia o
fascínio que inspirou aqueles artistas da “Belle Époque”.
Atraída por uma forte onda
magnética, desce em Pigalle, um dos bairros mais exóticos de Paris. Era o ambiente da boemia, das prostitutas,
dos travestis, do Moulin Rouge… O mundo luxuriante e espetaculoso.
A nuvem prateada ainda a
envolvia – como envolvera todos aqueles pintores também – pensou.
Ali, na Place Blanche,
aprecia o anoitecer. Iria agora ver a
iluminação do Moulin Rouge, captar um pouco daquela energia impressionante que
ele transmitia. De frente para o Moinho, fecha os olhos e visualiza uma das
telas que Toulouse-Lautrec pintou de seu interior e vê-se retratada nele, como
uma de suas personagens.
Ainda de olhos fechados, não
nota que estava sendo observada, quando escuta uma voz grave bem perto de seu
ouvido: “Vos papiers, s’il vou plaît”. Era um guardinha pedindo-lhe os
documentos… e ela não os tinha! Carregava consigo somente a carteirinha da
“L’Alliance Française”. Insuficiente. Ele a convida a acompanhá-lo até o
camburão.
A nuvem prateada se
desvanece e ela cai de volta à terra…
Mineira
de Mutum,
Glória
Braga Horta
é jornalista,
poeta, cronista,
cantora
e tecladista
|
A viatura está lotada de
policiais que a olham de modo malicioso, apesar de discretamente vestida. – “Montez, montez!”, ordena-lhe o policial. –
“Je ne monte pas, je ne monte pas”, retruca, batendo o pé no chão, a mão no
quadril.
E não montou mesmo! “Onde já se viu… entrar num camburão cheio de
policiais …”, pensa indignada. O chefão
pergunta sua nacionalidade e o motivo que a levou a Paris. “Sou brasileira e vim
a serviço do meu coração inquieto e sonhador”, explica sorrindo. Ele logo percebe
tratar-se apenas de uma ingênua e romântica turista.
O jovem policial a acompanha
até o ponto de ônibus. Dessa vez, ele sussurra suavemente mais perto ainda de
seu ouvido, algumas palavras que ela, com seu parco francês, assim entendeu:
“Olha, é muito perigoso andar sozinha por estas redondezas. Se quiseres conhecer melhor Pigalle, vem amanhã depois das onze
que já estarei de folga!”
Ela pega o ônibus, desce
frente ao habitual café bistrô, entra e pede uma taça de vinho. Delicadamente, sorve o divino e translúcido
líquido rubi.
E a nuvem prateada volta a
envolvê-la…
Nenhum comentário:
Postar um comentário