sábado, 23 de abril de 2016

CLÓVIS CAMPÊLO


O JOGO DO BICHO


(Por Clóvis Campêlo) Dona Carmelita, a minha avó materna, nunca deixou de fazer a sua fezinha. Mesmo quando no alto dos seus 80 anos já não tinha mais condição de ir à banca sozinha, ficava na janela de casa, no bairro da Ilha do Leite, no Recife, onde morava, com o palpite na mão, num pedacinho de papel, a procura de alguém que fizesse o favor de jogar para ela. Nunca tirou a sorte grande, mas, vez por outra, ganhava um dinheirinho apostando na cobra, no veado ou na borboleta.

Já com dona Tereza, minha mãe, a discípula superou a mestra. Intuitiva, tinha palpites incríveis que, em alguns momentos, valeram-lhe uns bons trocados. Sempre lhe invejei essa intuição maravilhosa.

Das duas, herdei o gosto pela jogatina. Nunca tive a sorte e os palpites de dona Tereza, mas já tive a satisfação de ganhar algum prêmio em preciosos momentos de necessidade financeira. Coisa boa e de intensa satisfação pessoal.

Aliás, no seu livro “Ordem e progresso”, de 1959, o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre descreve o jogo do bicho como uma das poucas atividade sem discriminação de classes no início da república brasileira, período em que vivemos uma intensa recessão econômica. Nele, ricos e pobres se arriscavam democraticamente em busca de alívio financeiro (o que, diga-se de passagem, acontece até hoje).

Nesse sentido, o historiador mineiro José Murilo de Carvalho afirma no seu livro “Os bestializados: Rio de Janeiro e a república que não foi” que a sociedade carioca difundia a crença na sorte como uma forma de ganhar dinheiro sem trabalhar. Ou seja: se segura, malandro!

Segundo a Wikipédia, a origem do jogo do bicho remonta ao ano de 1892, fim do Império e início da república brasileira. Jornais da época contam que, para melhorar as finanças do jardim zoológico que mantinha em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, o barão João Batista Viana Drummond, senhor de terras e escravos, criou uma loteria em que o apostador escolhia um entre os 25 bichos do zoológico. Logo, o jogo do bicho fugiria do zoológico e nas ruas do Rio de Janeiro se transformaria em um sucesso invencível, apesar de ser considerado pelas autoridades como uma contravenção.

O escritor e pesquisador potiguar Luís da Câmara Cascudo, no seu livro “Dicionário do Folclore Brasileiro”, lançado em 1954, já o considerava como um vício invencível, onde a repressão policial apenas multiplicava a clandestinidade. Segundo ele, o jogo já estava definitivamente instalado na massa do sangue do povo brasileiro.

Ainda segundo a Wikipédia, corre uma história de que durante a ditadura militar, o presidente Castelo Branco, numa reunião na Sudene, teria cobrado de João Agripino, então governador da Paraíba, a extinção do jogo do bicho naquele Estado. Segundo consta, Agripino teria respondido que assim o faria desde que o marechal arranjasse empregos para os milhares de paraibanos que ganhavam a vida como cambistas. Ou seja, o jogo do bicho nunca acabou na Paraíba...

Em 1941, com a criação da lei de proibição dos jogos de azar no Brasil, o jogo do bicho foi definitivamente proibido. Até hoje é considerado uma contravenção, na forma do artigo 58 da Lei de Contravenções Penais. As pessoas que o exploram são passíveis de prisão e os apostadores são passíveis de multa.


Uma verdadeira zebra! (Recife, abril de 2016)


CLÓVIS CAMPÊLO

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