O JOGO DO BICHO
(Por Clóvis Campêlo) Dona
Carmelita, a minha avó materna, nunca deixou de fazer a sua fezinha. Mesmo
quando no alto dos seus 80 anos já não tinha mais condição de ir à banca
sozinha, ficava na janela de casa, no bairro da Ilha do Leite, no Recife, onde
morava, com o palpite na mão, num pedacinho de papel, a procura de alguém que
fizesse o favor de jogar para ela. Nunca tirou a sorte grande, mas, vez por
outra, ganhava um dinheirinho apostando na cobra, no veado ou na borboleta.
Já
com dona Tereza, minha mãe, a discípula superou a mestra. Intuitiva, tinha palpites
incríveis que, em alguns momentos, valeram-lhe uns bons trocados. Sempre lhe
invejei essa intuição maravilhosa.
Das
duas, herdei o gosto pela jogatina. Nunca tive a sorte e os palpites de dona
Tereza, mas já tive a satisfação de ganhar algum prêmio em preciosos momentos
de necessidade financeira. Coisa boa e de intensa satisfação pessoal.
Aliás,
no seu livro “Ordem e progresso”, de 1959, o sociólogo pernambucano Gilberto
Freyre descreve o jogo do bicho como uma das poucas atividade sem discriminação
de classes no início da república brasileira, período em que vivemos uma
intensa recessão econômica. Nele, ricos e pobres se arriscavam democraticamente
em busca de alívio financeiro (o que, diga-se de passagem, acontece até hoje).
Nesse
sentido, o historiador mineiro José Murilo de Carvalho afirma no seu livro “Os
bestializados: Rio de Janeiro e a república que não foi” que a sociedade
carioca difundia a crença na sorte como uma forma de ganhar dinheiro sem
trabalhar. Ou seja: se segura, malandro!
Segundo
a Wikipédia, a origem do jogo do bicho remonta ao ano de 1892, fim do Império e
início da república brasileira. Jornais da época contam que, para melhorar as
finanças do jardim zoológico que mantinha em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, o
barão João Batista Viana Drummond, senhor de terras e escravos, criou uma
loteria em que o apostador escolhia um entre os 25 bichos do zoológico. Logo, o
jogo do bicho fugiria do zoológico e nas ruas do Rio de Janeiro se
transformaria em um sucesso invencível, apesar de ser considerado pelas
autoridades como uma contravenção.
O
escritor e pesquisador potiguar Luís da Câmara Cascudo, no seu livro
“Dicionário do Folclore Brasileiro”, lançado em 1954, já o considerava como um
vício invencível, onde a repressão policial apenas multiplicava a
clandestinidade. Segundo ele, o jogo já estava definitivamente instalado na
massa do sangue do povo brasileiro.
Ainda
segundo a Wikipédia, corre uma história de que durante a ditadura militar, o
presidente Castelo Branco, numa reunião na Sudene, teria cobrado de João
Agripino, então governador da Paraíba, a extinção do jogo do bicho naquele
Estado. Segundo consta, Agripino teria respondido que assim o faria desde que o
marechal arranjasse empregos para os milhares de paraibanos que ganhavam a vida
como cambistas. Ou seja, o jogo do bicho nunca acabou na Paraíba...
Em
1941, com a criação da lei de proibição dos jogos de azar no Brasil, o jogo do
bicho foi definitivamente proibido. Até hoje é considerado uma contravenção, na
forma do artigo 58 da Lei de Contravenções Penais. As pessoas que o exploram
são passíveis de prisão e os apostadores são passíveis de multa.
Uma
verdadeira zebra! (Recife,
abril de 2016)
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