A DÚVIDA DE ARGEMIRO
A tão sonhada aposentadoria transformou-se num inferno. Há cinco anos, a
vida de Argemiro era uma mesmice insuportável. Acordava, tomava café bebido,
fingia ler o jornal, sempre de olho no relógio à espera das onze horas, hora de
marcar ponto no bar do Carneiro, tomar umas e outras, jogar conversa fora.
À
tarde e à noite, o ritual se repetia. Filhos e noras, todos morando no mesmo
quintal, não queriam muita prosa com ele. Dona Celina menos ainda. E quando se
falavam a briga era certa.
-- Passa o dia no bar, conversando com bêbados, estragando a saúde, gastando
o dinheiro miúdo da aposentadoria. Não tem ânimo pra fazer mais nada. Volta
atacado, torra o saco de todos. Quer beber? Beba em casa. O gasto é menor.
Com pequenas variações, aquele era o discurso diário de Dona Celina.
Certo dia, Argemiro desabafou:
-- No bar do Carneiro, só tem mala. Tirando uns poucos – Velho
Marinheiro, Romualdo Bastos e Ananias, que são de pouco falar –, não tenho mais
com quem conversar. Um pede para lhe pagar uma cachaça; outros filam cigarros.
Um inferno. Acho que você tem razão, Celina: vou começar a beber meus aperitivos
em casa, gasto menos, não me aborreço com prosa frouxa. O problema é que
preciso ver gente, trocar ideias, sabe como é?
-- Compre um espelho.
-- Espelho, Celina!?
-- É. Falar sozinho você já fala. E não é de hoje! Pega o copo, olha
para o espelho e conversa com você mesmo.
-- Será que eu vou me suportar?
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