segunda-feira, 25 de abril de 2016

QUASE HISTÓRIAS



A DÚVIDA DE ARGEMIRO

A tão sonhada aposentadoria transformou-se num inferno. Há cinco anos, a vida de Argemiro era uma mesmice insuportável. Acordava, tomava café bebido, fingia ler o jornal, sempre de olho no relógio à espera das onze horas, hora de marcar ponto no bar do Carneiro, tomar umas e outras, jogar conversa fora. 

À tarde e à noite, o ritual se repetia. Filhos e noras, todos morando no mesmo quintal, não queriam muita prosa com ele. Dona Celina menos ainda. E quando se falavam a briga era certa.

-- Passa o dia no bar, conversando com bêbados, estragando a saúde, gastando o dinheiro miúdo da aposentadoria. Não tem ânimo pra fazer mais nada. Volta atacado, torra o saco de todos. Quer beber? Beba em casa. O gasto é menor.

Com pequenas variações, aquele era o discurso diário de Dona Celina.


Certo dia, Argemiro desabafou:

-- No bar do Carneiro, só tem mala. Tirando uns poucos – Velho Marinheiro, Romualdo Bastos e Ananias, que são de pouco falar –, não tenho mais com quem conversar. Um pede para lhe pagar uma cachaça; outros filam cigarros. Um inferno. Acho que você tem razão, Celina: vou começar a beber meus aperitivos em casa, gasto menos, não me aborreço com prosa frouxa. O problema é que preciso ver gente, trocar ideias, sabe como é?

-- Compre um espelho.

-- Espelho, Celina!?

-- É. Falar sozinho você já fala. E não é de hoje! Pega o copo, olha para o espelho e conversa com você mesmo.

-- Será que eu vou me suportar?

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