domingo, 3 de abril de 2016

QUASE HISTÓRIAS

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COLECIONADOR DE GALHOS

Maria José, com um simples olhar, sabia exatamente o que José Maria estava matutando. José Maria, por sua vez, coitado, sempre foi incapaz de perceber qualquer uma das múltiplas intenções de Maria José – menos ainda a mais recorrente. Melhor assim. A seu modo, foi um homem feliz. Morreu sem saber. (OS)



SINA

Roberval nunca teve boca pra nada, sempre foi um pobre coitado, até hoje aceita sem revolta ou amuo tudo o que lhe é imposto.   

Em casa, é aquela água: lava e passa suas próprias roupas (exceto os ternos), esquenta o jantar, lava o quintal, recolhe as sujeiras dos cachorros etc., após o expediente no escritório. Sua paga? Reclamações – da mulher, dos filhos e da sogra, que há anos finge que, em breve, irá dessa para nem onde o demônio sabe. Velha tinhosa. Está, a cada dia, mais forte e corada.



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Não lhe bastasse o excesso de serviço burocrático no escritório, Roberval é, sempre foi, presa fácil dos colegas, vítima de toda sorte de solicitações – em geral, descabidas: escrever carta de amor, bilhete de reconciliação, trabalhos escolares e tudo mais que exija alguma habilidade com a palavra escrita. No fundo, ele sempre sentiu uma ponta de orgulho. Afinal, os colegas não se limitavam a lamentar a sua (deles, claro) falta de inspiração para escrever, faziam questão de frisar que Roberval era verdadeiro poeta. .

Roberval, finalmente, se aposentou. Ficou comovido com as homenagens dos colegas. “Vamos perder nosso escritor de talento”, chegou a dizer um deles em tom de discurso. Mas, assim que ele virou as costas, o mesmo colega foi ao ponto: “É bonzinho, mas é chato. Além disso, escreve mal pra burro”.

Em casa, recebeu a notícia de que, a partir do dia seguinte, a sogra assumiria a tarefa de supervisionar seu trabalho doméstico. Roberval não deu pio. (OS)  






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