alexius.com.br |
COLECIONADOR DE
GALHOS
Maria José, com um simples olhar, sabia
exatamente o que José Maria estava matutando. José Maria, por sua vez, coitado,
sempre foi incapaz de perceber qualquer uma das múltiplas intenções de Maria
José – menos ainda a mais recorrente. Melhor assim. A seu modo, foi um homem
feliz. Morreu sem saber. (OS)
SINA
Roberval nunca teve boca pra nada, sempre foi um pobre coitado, até
hoje aceita sem revolta ou amuo tudo o que lhe é imposto.
Em casa, é aquela água: lava e passa suas próprias roupas (exceto os
ternos), esquenta o jantar, lava o quintal, recolhe as sujeiras dos cachorros
etc., após o expediente no escritório. Sua paga? Reclamações – da mulher, dos
filhos e da sogra, que há anos finge que, em breve, irá dessa para nem onde o
demônio sabe. Velha tinhosa. Está, a cada dia, mais forte e corada.
br.freepik.com
|
Não lhe bastasse o excesso de serviço burocrático no escritório, Roberval
é, sempre foi, presa fácil dos colegas, vítima de toda sorte de solicitações –
em geral, descabidas: escrever carta de amor, bilhete de reconciliação,
trabalhos escolares e tudo mais que exija alguma habilidade com a palavra
escrita. No fundo, ele sempre sentiu uma ponta de orgulho. Afinal, os colegas não
se limitavam a lamentar a sua (deles, claro) falta de inspiração para escrever,
faziam questão de frisar que Roberval era verdadeiro poeta. .
Roberval, finalmente, se aposentou. Ficou comovido com as homenagens
dos colegas. “Vamos perder nosso escritor de talento”, chegou a dizer um deles
em tom de discurso. Mas, assim que ele virou as costas, o mesmo colega foi ao
ponto: “É bonzinho, mas é chato. Além disso, escreve mal pra burro”.
Em casa, recebeu a notícia de que, a partir do dia seguinte, a sogra
assumiria a tarefa de supervisionar seu trabalho doméstico. Roberval não deu pio.
(OS)
Nenhum comentário:
Postar um comentário