O GLOBO – 03.04.2016
CONTAGEM REGRESSIVA
Começou
a contagem regressiva para a queda de Dilma. Abril será um mês terrível para o
governo que, por sua vez, tentará transformá-lo em terrível para todo o Brasil.
Foi uma semana intensa de trabalho. Presenciei alguns dos principiais
episódios: saída do PMDB, entrega de dois milhões de assinaturas pedindo dez
medidas contra a corrupção e, sobretudo, as audiências da Comissão do
Impeachment.
Nela,
os dados estão lançados. Há uma expressiva maioria a favor da queda de Dilma.
Só um milagre, desses bem poderosos, poderá mudar o jogo. Sabendo previamente
do resultado, os deputados jogam para cumprir tabela, preocupados apenas em
agradar sua plateia. Eles se enfrentam com cartazes, contra ou a favor do
impeachment. Quando isso acontece, de um modo geral, eles querem dizer que não
há muita discussão possível, nem grandes esperanças na troca de argumentos. Se
a vitória do impeachment é quase certa na comissão, a contagem dos votos no
plenário ainda não autoriza uma previsão tão nítida. O governo sempre poderá
atrair deputados não para o voto contra, mas para a abstenção. É mais fácil
negociar esta saída com eles. Não se desgastam tanto com a opinião pública,
podem apresentar uma desculpa.
Em
quase todas as votações decisivas, um grande número de deputados fica em seus
gabinetes, à espera dos momentos finais. Os deputados que vendem sua abstenção
são mais sutis que os defensores abertos do governo. Alguns deputados da base,
sobretudo os do PT, não têm outro caminho, exceto votar por Dilma. O máximo que
pode acontecer é perder alguns votos, sem contudo contrariar aquele núcleo para
quem o voto pelo impeachment é uma traição. Estive na reunião do PMDB que
rompeu com o governo. Em cinco minutos acabaram com cinco anos de relação. Não
houve uma análise sobre o que os unia no passado e o que os separa no presente.
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Eles
gritaram: “Brasil urgente, Temer presidente e fora PT”. Na verdade, ninguém
parecia preocupado com a saída do governo mas com seu lugar no que seria
instalado com a queda de Dilma. Estavam felizes como se não houvesse amanhã,
nem os novos passos da Lava Jato. Na plateia, figuras controvertidas como
Newton Cardoso, ex-governador de Minas; na mesa, Eduardo Cunha, cuja liberdade
me faz duvidar da Justiça brasileira. O amanhã será complicado. Os políticos
tradicionais que pensam em se aproveitar do desastre do PT para retomar o
governo como se o Brasil fosse o mesmo do tempo de Sarney vão levar um susto.
De um lado, enfrentarão o próprio PT e movimentos sociais ligados a ele, algo
que me parece possível, se a democracia for usada com inteligência. Mas o
Brasil que emerge desse processo, com intensos debates nas redes sociais, muito
mais atento às peripécias da política, pode varrê-los do cenário, sem piedade.
As
pessoas amadureceram para compreender a tática, a necessidade de organizar os
passos intermediários para se alcançar um objetivo a mais longo prazo. No
momento, o foco é o governo do PT, suas pedaladas fiscais, o rombo na
Petrobras, a corrupção que se espraiou, o cinismo e a cara de pau de seus
líderes. Um governo de transição só pode ser estável se equacionar bem suas
relação com a Lava Jato. Se escolher nomes de gente sob investigação, vai
demonstrar que pensa como o PT e o desalojou do poder apenas para não partilhar
com ele as benesses da mamata federal.
“Não
creio que exista salvação para figuras como Cunha e Renan.
A própria
Justiça, cheia de dedos com gente como eles,
terá
de levar a sério a tese de que a lei vale para todos.
Ninguém
sai às ruas apenas para trocar de bandidos no poder
Não
ter gente investigada é pouco. Será preciso também definir, publicamente, sua
norma para o futuro. Aliás, voltar a uma norma do passado, quando existiam
ainda vestígios de decência: no governo Itamar, as pessoas investigadas saíam
para se defender. Volto para a casa cansado, escrevendo um pouco espremido no
avião. O discurso da advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de
impeachment, aponta, entre outras, duas realidades interessantes para mim. A
primeira delas é a de que há uma conexão entre as pedaladas fiscais, decretos
secretos, rombo no orçamento e a corrupção que corroía o país. O dinheiro
fantasiado nos planos de Dilma, era, de alguma forma, o dinheiro que se roubava
ou, simplesmente, se dilapidava com a incompetência. Um outro ponto que me
comoveu foi sua mensagem ao Parlamento: somos apenas parte de um povo que, na realidade,
sofreu um golpe, pois analisava a realidade a partir do falso quadro desenhado
pelo governo. A missão das ruas é clara: descrever aos parlamentares uma
situação em que o povo foi roubado e enganado com fantasias eleitorais. O país
sofreu um golpe. Sua única saída é responder ao golpe com uma medida
constitucional de autodefesa, que é o impeachment.
Senti
que grande parte dos parlamentares compreendeu o cenário. Mesmo os que parecem
não ter compreendido, caso de Renan Calheiros, estão apenas fazendo cálculos
sobre sua própria salvação. Não creio que exista salvação para figuras como
Cunha e Renan. A própria Justiça, cheia de dedos com gente como eles, terá de
levar a sério a tese de que a lei vale para todos. Ninguém sai às ruas apenas
para trocar de bandidos no poder.
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