sexta-feira, 1 de abril de 2016

CHÁ DAS CINCO: CARLOS HEITOR CONY

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O MELHOR VERSO

Faz tempo, fizeram um concurso para se saber qual o verso, isolado, que deveria ser considerado o mais bonito da literatura brasileira. Ganhou, acho que disparado, aquele verso de Castro Alves: "Auriverde pendão da esperança".

Que é bonito, é. E mais bonito fica no contexto, as duas últimas estrofes do mais conhecido poema do autor, "O Navio Negreiro". Pessoalmente não sou muito vidrado no auriverde pendão, embora trema de emoção com as citadas estrofes. Lembro-me delas recitadas por Paulo Autran, num dos momentos mais emocionantes do "Liberdade! Liberdade". Além de bonitos, um apelo à justiça, em falta naquele tempo.

Manuel Bandeira remou contra a corrente, escolhendo o verso de um sucesso popular, "Chão de Estrelas", de Orestes Barbosa: "Tu pisavas os astros, distraída". Bom mesmo. Mas não seria esse o meu preferido, não existente ainda ao tempo do concurso.

Outro muito citado, mas não escolhido, foi o quarto verso do mais famoso soneto de Raimundo Correia: "Raia sanguínea e fresca a madrugada". Outro dia, aventando a hipótese de FHC entrar para a Academia, garanti que talvez votasse nele, desde que soubesse recitar, de cor e de improviso, "As Pombas", soneto que transporta o verso pelo tempo afora.

Gosto desta madrugada sanguínea e fresca. Mas, de olhos fechados, sem dúvidas e sem pejo, iria de Aldir Blanc, num verso mais ou menos recente: "Um torturante band-aid no calcanhar". Não é um verso formalmente bonito -nem bonito em si mesmo.

É toda a definição de um clima, da mulher brasileira comum, agarrada a seu homem, dançando dois pra lá, dois pra cá, num baile modesto e cafona, oposto aos bailes suntuosos das valsas de Strauss e Lehár, que são imperiais, vienenses e nada têm com a gente. Só um torturante band-aid no calcanhar pode explicar o amor acima e além de todas as coisas.

(Folha de São Paulo – 07/12/2004)


OUÇA "DOIS PRA DOIS PRA CÁ"
De João Bosco e Aldir Blanc
Na interpretação de Elia Regina






Sentindo o frio
Em minha alma
Te convidei pra dançar
A tua voz me acalmava
São dois pra lá
Dois pra cá...

Meu coração traiçoeiro
Batia mais que o bongô
Tremia mais que as maracas
Descompassado de amor...

Minha cabeça rodando
Rodava mais que os casais
O teu perfume gardênia
E não me perguntes mais...

A tua mão no pescoço
As tuas costas macias
Por quanto tempo rondaram
As minhas noites vazias...

No dedo um falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante
Band-aid no calcanhar...

Eu hoje, me embriagando
De uísque com guaraná
Ouvi tua voz murmurando
São dois pra lá
Dois prá cá...

No dedo um falso brilhante
Brincos iguais ao colar
E a ponta de um torturante
Band-aid no calcanhar...

Eu hoje, me embriagando
De uísque com guaraná
Ouvi tua voz murmurando
São dois pra lá
Dois pra cá...

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