A
GERAÇÃO DO DESEMPREGO
Há
quem fique na casa dos pais ou volte a ela.
Mães
e pais aposentados sustentam filhos adultos
Por
Walcyr Carrasco
Época
Digital – 15/08/2017
V. tem 24 anos. De uma família de
classe média alta do interior paulista, frequentou escola particular. Faculdade
de artes cênicas. E cursos para se aprimorar. Excelente aluno, formou-se cedo.
Saiu em busca de emprego. Procurou, procurou, procurou... No início, muitas
exigências. Só queria algo dentro de sua área, artística. Depois, pediu socorro
ao pai. Um emprego! Sem chance. A empresa familiar também não está nos melhores
dias. Um irmão já se ancorou lá. Há uma semana, recebi a grande notícia.
Conseguiu trabalho! De garçom. Uma folga por semana. Em pé oito a dez horas por
dia. A família não tinha mais como bancar sua vida. Não era exatamente a
expectativa de quem fez curso universitário. É o que apareceu.
Na outra ponta, I. era garçom
profissional. Fazia faculdade a duras penas. No último semestre, trancou a
matrícula. A família, no Nordeste, precisa de sua ajuda. I. pediu demissão: os
horários do restaurante em que trabalhava o impediriam de voltar aos estudos.
Achava ser fácil arrumar outro emprego, como sempre foi. Deixou de ser.
Participou do processo de seleção em vários restaurantes. Só em um deles havia,
segundo me contou, uns 50 candidatos na fila. Não passou. Os locais mais
sofisticados, que pagam bem, andam preferindo garçons sem tanta experiência,
mas com a leve sofisticação da classe média. I. está se virando com eventos.
Tipo distribuir amostras de produtos, num supermercado ou shopping. Só não tem
todo dia. Difícil juntar para o aluguel do mês.
Mais complicada é a história de B.
Morava com a família em outro estado. Viviam com dificuldade. Mas não faltava
nada. Veio para São Paulo, para melhorar de vida. Nos dois primeiros meses,
segurou-se com as economias. Trabalho não apareceu. Eu o conheço do Facebook,
mas não pessoalmente. Outro dia, anunciou: já tem máquina de cartões. Tive
minhas suspeitas. Perguntei para que servia a máquina.
– Estou fazendo programa – explicou.
– Os clientes podem pagar em cartão.
– Já fazia antes, na sua terra?
– Não. Mas agora não teve outro
jeito.
Em Brasília, J. fez faculdade de
administração. Não conseguiu colocação. Entrou na pós, para se tornar mais
qualificado. Terminou. Continua sem nada. A jovem T., em Goiânia, está no
doutorado.
– Minha esperança é conseguir algo na
universidade – contou-me ela. – Posso dar aulas.
Enquanto isso, mora com os pais.
"A crise abateu as esperanças de multidões
que ou não conseguiram concluir os cursos ou simplesmente
não têm o que fazer com seu diploma"
Há uma geração inteira sem conseguir
emprego. Grande parte sonha com um concurso público. Não é novidade, multidões
sempre correram atrás de emprego municipal, estadual ou federal. Espanta é a
disposição para trabalhar em qualquer área, fora do que consideravam sua
vocação. Em crise, vocação é ter salário. Há quem continue na casa dos pais,
indefinidamente. Ou quem volte. O problema é que nem sempre dá certo. Conheci
R., marido de uma antiga secretária. Foram para a casa da mãe dela, onde se
abrigaram com os filhos num quartinho minúsculo. As relações entre genro e
sogra nunca foram boas. Pioraram. Ele saiu da casa. Ficou numa pensão dois
meses. Tornou-se morador de rua. Visitava a família nos fins de semana. Agora,
sumiu.
Mães e pais que têm aposentadoria
ainda seguram a sobrevivência dos filhos. Não falta quem tope bicos. Talvez por
ser uma pessoa conhecida, recebo semanalmente vários pedidos de emprego.
Universitários que querem cuidar do jardim. Pintar paredes. Pedidos de socorro.
R., no Rio de Janeiro, era vendedor numa loja de equipamento de surfe.
Atrasaram o pagamento dois meses. Ficou com o nome sujo no banco. Finalmente,
fecharam a loja. Estudante de informática, conseguiu dar aulas. Mas não
consegue pagar os atrasados. A. estava no último ano da faculdade. Mas o
governo cortou o empréstimo. Não pôde terminar o curso. Agora, veio a cobrança
pelos anos em que estudou. Está com o nome sujo também. Desesperada, só vive de
bicos em eventos, como recepcionista. Eu aconselhei:
– Quem não cumpriu o contrato foi o
governo. Você não terminou o curso porque ele cortou o financiamento. Processe.
Financiamento? Sim, o governo
brasileiro gasta em educação. Financiou estudantes para cursarem universidades
particulares. E investe nas públicas, que têm, muitas, algum grau de
excelência. Custam caro. Mas todo esse dinheiro investido em educação vai pelo
ralo. A crise abateu as esperanças de multidões que ou não conseguiram concluir
os cursos ou simplesmente não têm o que fazer com seu diploma.
É uma geração à deriva.
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