No STF, há 222 funcionários para cada ministro |
OS
PRIVILÉGIOS DO STF
Com
a informatização, como justificar 29 funcionários
cuidando
da encadernação? Encadernam o quê?
Por
Marco Antonio Villa
O
Globo – 12/09/2017
O
Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição (artigo 102).
Diz
a ministra Cármen Lúcia, no relatório de atividades de 2016, que buscou
“racionalizar o gasto de dinheiro público.” Será?
Dinheiro
não faltou. Em 2016, a Corte recebeu R$
554.750.410,00. E achou pouco. O pedido inicial era de R$ 624.841.007,00. Desta fortuna, R$ 206.311.277,11 foram reservados ao pagamento do pessoal ativo. E
mais R$ 131.300.522,83 para os
aposentados e pensionistas. São 1.216
funcionários ativos (554 com função
gratificada), 306 estagiários e 959 terceirizados.
Há
variações nos dados, mas o total geral não é inferior a 2.450, o que dá a média de 222
funcionários por ministro.
Fica
a preocupação de que todos os funcionários não podem comparecer aos locais de
trabalho sob pena de colocar em risco as estruturas dos prédios.
Somente
entre os funcionários terceirizados (gasto total de R$ 5.761.684,88) é possível encontrar incríveis distorções.
É
de conhecimento público que algumas sessões são tensas, mas como explicar a
existência de 25 bombeiros civis? E
as 85 secretárias, média de oito por
ministro?
Vivemos
uma crise de segurança, mas não é exagero a existência de 293 vigilantes? Somos um país cordial, mas lá foi levado ao
extremo. São necessárias 194
recepcionistas?
Divulgar
as ações é importante, mas são precisos 19
jornalistas?
Com
a informatização, como justificar 29
funcionários cuidando da encadernação? Encadernam o quê?
Limpar
os prédios é importante. Mas será que o TOC também atingiu o STF? É a única
conclusão possível tendo em vista constar na folha de pagamentos 116 serventes de limpeza.
A
boa etiqueta manda receber bem os convidados, mas pagar a 24 copeiros e 27 garçons
não é um pouco demais?
Para
que oito auxiliares em saúde bucal?
É um tribunal ou um consultório odontológico?
Preocupar-se
com a infância é meritório, mas como justificar 12 auxiliares de desenvolvimento infantil?
E
os 58 motoristas (ao custo anual de R$ 3.853.543,36)? Sem esquecer os sete jardineiros, seis marceneiros e os dez
carregadores de bens — bens? Quais?
A
imagem da Corte anda arranhada. Esta deve ser a razão para pagar a cinco publicitários.
Estes
são apenas alguns exemplos entre os milhares de funcionários terceirizados ou
concursados que nós pagamos todo santo mês.
A
casta trabalhadora é muito bem tratada. O programa Viva Bem patrocinou cursos
de ioga, massagem laboral e oficina de respiração. Somente com assistência
médica e odontológica foram gastos R$
15.780.404,89.
Ao
auxílio-moradia, uma espécie de Minha Casa Minha Vida da Corte, foram reservados
R$ 1.502.037,00. Para ajuda de custo
(ajuda de custo?) R$ 1.040.920,00.
Preocupado
com a educação pré-escolar, a Suprema Corte destinou R$ 2.162.483,00. Mas, como ninguém é feliz de barriga vazia, não
foi esquecida a alimentação: R$
12.237.874,00.
Preocupados
com a vida eterna e com o futuro, suas excelências alocaram R$ 204.117,00 para auxílio-funeral e
auxílio-natalidade.
Com
tantas benesses, dá para entender por que o programa “educação para
aposentados” teve apenas dois
participantes.
Pesquisando
no relatório, alguns gastos de manutenção chamam a atenção, como a rubrica no
valor de R$ 1.852.355,49 destinada
às reformas e manutenção.
O
transporte não foi esquecido. São 87
veículos (dos quais três caminhões)
que representam um custo de manutenção de R$
5.420.519,10 (só de lavagem foram gastos R$ 109.642,48).
Transparência
é um dever constitucional, mas reservar R$
32.236.498,26 para este fim não é um exagero?
Em
ações de informática foram torrados R$
10.512.950,00.
Em
segurança institucional — a expressão é do relatório — foram alocados R$ 40.354.846,00. Nesta
rubrica é possível concluir que a senhora ministra quis adotar o pleno emprego:
“a meta física prevista era a manutenção de 487 postos de trabalho. Devido às restrições orçamentárias em 2016,
houve necessidade de redução de postos de trabalho vinculados a vários
contratos, sendo mantidos 404
postos.” Sim, apenas 404 pessoas
para cuidar da “segurança institucional”. Poucos?
Marco Antonio Villa |
Mas,
devemos reconhecer, o STF tem seu lado ONG. O setor de “responsabilidade
social” organizou a exposição “Eu catador”. Segundo o tribunal, a “mostra de
fotos produzidas por catadores de lixo que trabalham no aterro da Cidade
Estrutural aconteceu no período de 18 a 25 de novembro de 2016 e pretendeu
incentivar a reflexão crítica e sensibilizar a toda a Comunidade do Supremo
Tribunal quanto ao impacto do lixo que produzimos.”
Parabéns!
Em tempo: o relatório informa também que a Corte vem reduzindo o consumo de
água.
Nota-se
também o excesso de viagens dos senhores ministros. Alguns se ausentaram do
trabalho por duas semanas consecutivas. Isto pode explicar que somente 3.373 decisões tenham sido tomadas no
plenário contra 102.900
monocráticas.
Cabe
indagar se o STF é formado por 11
ministros ou temos 11 tribunais
federados em um mesmo local?
Cada
magistrado julga, em média, 10.675
processos. Se subtrairmos as férias forenses, os finais de semana, os feriados
prolongados, as viagens nacionais e internacionais, é provável que suas
excelências tenham realizado, com louvor, cursos de leitura dinâmica.
Porém,
o relatório trouxe três boas notícias. Por falta de recursos orçamentários
foram adiadas as construções do centro de treinamento e capacitação de servidores,
de mais um anexo e da ampliação da garagem do Anexo II. Tudo orçado —
inicialmente — em R$ 1.338.640,00.
Resta
parodiar o belo hino do Santos Futebol Clube: “Nascer, viver e no STF morrer, é
um privilégio que nem todos podem ter.”
Marco Antônio Villa é historiador, escritor e comentarista da Jovem Pan e TV Cultura. Professor da Universidade Federal de São Carlos (1993-2013) e da Universidade Federal de Ouro Preto (1985-1993). É Bacharel (USP) e Licenciado em História (USP), Mestre em Sociologia (USP) e Doutor em História (USP)
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