Foto: Sérgio Lima/Poder 360 |
NO
VÁCUO, TEMER FICARÁ
APENAS
POR IR FICANDO
A
lambança revelada na ''conversa de bêbados''
de
Joesley e Saud dá desculpas e dissimulação
a
quem já não votaria mesmo pela abertura de processo
Por
Carlos Melo
UOL –
14/09/2017 | 20h43
No
liquidar de seu mandato, Rodrigo Janot oficializa, enfim, a segunda denúncia
contra Michel Temer e mais uma penca de peemedebistas e assemelhados. Trata-se
de mais uma estocada, dura e contundente: Temer deixa de ser o primeiro
presidente a sofrer uma denúncia do PGR para ser o primeiro a sofrer duas
denúncias. Recorde sobre recorde. Contudo, o mais provável é que também esta
seja uma marca destinada a não dar em nada.
Cabe
compreender: a denúncia é, em si, notícia velha. As samambaias do país sabiam
que ela viria mais tarde ou mais tarde. Aliás, Janot contava que, até o final
do mandato, pudesse enviar três e não duas denúncias. Desgastar a Michel Temer
e sua turma com mais método e vagar.
Contudo,
por tudo o que tem acontecido em torno no Procurador-Geral — a frustração e o
escândalo em torno da delação de Joesley Batista —, o processo não transcorreu
como o PGR esperava. Também a tramitação da delação de Lúcio Funaro — o
operador do PMDB — parece ter demorado mais do que se supunha. De modo que a denúncia
chega fora do timing planejado, o que a torna menos potente e eficaz.
Além
disso, a partir da próxima semana, ficará sob os cuidados de uma nova equipe,
desvinculada de Rodrigo Janot e ligada a próxima Procuradora-Geral, Raquel
Dodge. E independente da disposição da nova direção do MPF, o fato é que haverá
uma quebra de ritmo nesse processo — até para que os novos agentes tomem pé da
situação — e é natural que a disposição em aquecê-la na mídia também arrefeça.
Outro
aspecto está vinculado a quase nenhuma disposição do Congresso Nacional em
afastar o presidente da República, permitindo que seja investigado já — o
''depois'' fica para depois. Quando da votação da primeira denúncia, por força
dos argumentos, cargos e recursos do governo se fez valer e mais de 26O
deputados disseram não ao PGR e, de acordo com as pesquisas, também à
sociedade.
Agora,
com a sociedade resignada, coberta pelo desalento e falta de alternativas,
ainda tanto mais fácil será a disposição da Câmara a deixar tudo como está e
até retirar uma ou outra vantagem disto. Janot suspeitava constranger o
sistema, mas, a lambança revelada na ''conversa de bêbados'' de Joesley e Saud
dá desculpas e dissimulação a quem já não votaria mesmo pela abertura de
processo.
O
mais provável, portanto, é que o presidente termine seu mandato e que ajuste
contas com a Justiça — se vier a ajustar — somente após 1o. de janeiro de 2019.
A
efetividade da substituição de Temer é também cada vez mais duvidosa e, para
boa parte do sistema político, mesmo na oposição; a cada dia interessa menos
abreviar seu mandato, uma vez que sua hipotética sucessão, a cada hora,
torna-se um exercício de imaginação menos real e mais confuso. É justamente o
esgotamento do tempo que lhe resta que o torna mais estável.
Como
o leitor deve ter notado, não há aqui considerações de mérito e juízos de valor
a respeito da denúncia. Não porque inexistam questões dessa natureza, mas
porque, de um ponto de vista prático, parecem pouco relevantes. E isto é o mais
terrível: um presidente e seu grupo se mantêm no cargo não porque sejam
importantes ou inocentes — o que, a rigor, somente a investigação e o
julgamento que a Câmara não permitirá é que poderiam demonstrar —, mas apenas
porque não valeria mais a pena mexer com ele. A íntima convicção de que não
vale a pena. Michel Temer ficará simplesmente porque vai ficando. Em política,
às vezes, existe, sim, o vácuo.
Carlos
Melo é cientista político e professor do Insper
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