PARA ONDE IRIA BANDEIRA?
(Por Clóvis Campêlo) Para
onde iria o poeta Bandeira todo vestido de branco e arrastando consigo aquela
mala preta? Não aparenta grande esforço, apesar do ar cansado. À sua frente,
segue a amiga Maria de Lourdes Heitor de Souza. Sugestivamente, quatro rapazes
que compõem involuntariamente a imagem caminham em sentido contrário. Iria o
poeta para Pasárgada, onde sempre foi amigo do rei? Estaria fugindo do beco em
busca de ares menos rarefeitos? Para o poeta Drummond, que lhe dedicou alguns
poemas, Bandeira não foi para Pasárgada porque não era esse o seu destino. Com
certeza, não se habituaria lá. Para ele, Bandeira era homem de viver em seu
território próprio e intransferível, homem dolorido e experiente que subjugara
o seu desespero a poder de renúncia, vigília e ritmo.
Na
fotografia acima, Bandeira parece carregar na mala o leve e inseparável peso da
vida. Parece ter plena consciência de que já não haveria mais tempo para
largá-la e recomeçar. Olha para frente com a certeza de que já conhece o
caminho a seguir. Não lhe interessa nem mesmo a bifurcação da calçada por onde
transita. Não lhe parece haver outro rumo ou a possibilidade de retorno. Apenas
caminha e vai.
Em
outro poema chamado de Itinerário, o
poeta Drummond traça o caminho inicial do poeta Bandeira, que se inicia na Rua
da Ventura e chega à Rua da Saudade, passando pela ruas da Soledade, da Aurora
e do Sol, e formando um halo em torno da Rua da União. Na visão de Drummond, o
poeta Bandeira, verdadeiro itinerante, atravessava o Recife com a naturalidade
de quem sabe que ali apenas começava o grande caminho.
Em
mais outro poema, agora chamado de Rotinas,
o vate mineiro, com conhecimento de causa, diz que o poeta Bandeira, cumprindo
sem revolta e sem amargura o estatuto civil da pobreza, enfrenta uma
crepuscular fila de ônibus em Copacabana, tendo na mão esquerda um livro e a
tradução da tragédia alemã. Em outro território, o mesmo exercício da
simplicidade e do despojamento. Um homem simples, embora sensível e poeta.
Bandeira
sempre foi um homem de ir. Em Clavadel ou em Quixeramobim. Mesmo sabendo que o
futuro poderia ser uma terra incerta e pedregosa. Do Recife ao Rio de Janeiro,
a mesma certeza de que haveria a hora da chegada, assim como houve a hora da
partida. Ao poeta modernista, não cabem revoltas. Apenas conhecimento e
resignação.
Ao
deixar o beco, simbolicamente Bandeira pouca coisa levava, como da vida pouca
coisa se leva. Talvez imaginasse o grande encontro com o ineludível, com a
passagem, com a transmutação final. Ao deixar o beco, embarcaria em um grande
automóvel preto onde poderia ser vista no seu rosto uma tranquilidade
consciente e inalienável. Ao deixar o beco, Bandeira tornava-se imortal e
imorrível, uma referência segura e incomparavelmente bela.
Recife, março 2016
Fonte: Bandeira a Vida
Inteira.
Edições Alumbramento/Livroarte Editora, Rio de Janeiro, 1986.
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