"O Grito", de Edvard Munch (Imagem: arquivo Google) |
O QUE
AINDA CAUSA ESPANTO?
Depoimento
de Palocci produziu um estrago definitivo na imagem
que
é oferecida aos eleitores,
a
de um partido impoluto e um líder incorruptível
Por
Zuenir Ventura
O
Globo
09/09/2017
Foi uma semana para desafiar quem
achava que já vira de tudo, e para confirmar a tese de que no Brasil não houve
surrealismo nem realismo fantástico como movimentos literários porque eles
existem na vida real.
Apenas alguns exemplos. Teve o
inacreditável vídeo dos R$ 51 milhões contados por máquinas como numa cena na
Casa da Moeda. O dinheiro continha as impressões digitais de Geddel Vieira,
aquele que há dois anos se indignava na televisão: “Chega. Ninguém aguenta
mais. Isso já deixou de ser corrupção, é roubo”.
O candidato ao Prêmio Cara de Pau
tinha razão. Como classificou um procurador, ele é “um criminoso em série”.
Teve também o áudio em que o
indecoroso Joesley, não satisfeito em fazer intrigas e levantar suspeitas,
alegando depois, como defesa, ter sido uma “conversa de bêbados” com Ricardo
Saud, também delator, assassina a gramática: “nóis só vai entregar o Judiciário
e o Executivo”.
A gravação serviu pelo menos para que
o procurador-geral decidisse consertar o inexplicável erro que cometeu no
acordo que concedeu tantas regalias indevidas, como imunidade penal, aos
delatores da J&F.
A revogação dos benefícios seria
feita ontem à tarde, junto com um provável pedido de prisão ao ministro Edson
Fachin, relator do caso no STF
Em outro capítulo, igualmente
inédito, teve o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, confessando sua
“inimizade capital” pelo colega Gilmar Mendes, que, por sua vez, xingou o
procurador-geral de “delinquente” (Mello acrescentou que, se estivessem no
século XVIII, os dois partiriam para um duelo de vida ou morte).
Porém, o que mais causou espanto foi
o depoimento de Antonio Palocci ao juiz Sergio Moro, em especial o trecho que
ele classificou de “pacto de sangue” entre Lula e Emílio Odebrecht, envolvendo
um presente pessoal — um sítio (em Atibaia) — palestras a R$ 200 mil, fora
impostos, e uma reserva de R$ 300 milhões para atividades políticas nos anos
seguintes ao fim do mandato.
Sendo de quem foi, de um ex-homem de
confiança dos governos Lula e Dilma, o explosivo depoimento (cuja íntegra não
cabe neste espaço) produziu um estrago definitivo na imagem que é oferecida aos
eleitores, a de um partido impoluto e um líder incorruptível. Lula se disse
decepcionado, e pode-se imaginar o quanto, lembrando o que ele declarou não faz
muito tempo: “Palocci é meu amigo, uma das maiores inteligências políticas do
país. Ele tá trancafiado e se resolver falar tudo o que sabe pode, sim,
prejudicar muita gente. Mas não a mim. Não tenho nenhuma preocupação com
delação dele”..
Desta vez não deu para atribuir as
denúncias à perseguição política ou à vingança dos “golpistas”. A flecha partiu
de dentro, de onde ele menos esperava.
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