TECNOLOGIA
DO DESAPEGO
Passo
adiante os livros que leio e gosto para quem gosto
e
que goste de ler: a acumulação virou circulação
Por
Nelson Motta
O
GLOBO
08/09/2017
0:00
Dei todos os meus livros. Ou quase.
De uns quatro mil, fiquei com uns 200, muitos com dedicatórias preciosas,
alguns que ainda pretendo ler ou reler, mas o resto foi entregue a um livreiro
alternativo, que os distribui em presídios, escolas e comunidades carentes, em
sebos onde são vendidos a R$ 1, onde podem ser muito mais úteis do que enchendo
minha estante. Sim, uma estante cheia, como as várias que eu tinha, é bonito,
aconchegante, uma bela decoração, símbolo de status cultural, mostra a sua
história através do que você leu — e do que não leu. Mas muita gente ainda pode
lê-los e se divertir, se emocionar e aprender com eles, como eu.
Há três anos, com as estantes de dois
quartos lotadas, comecei a passar adiante os livros que lia e gostava para quem
gosto e que goste de ler, parei a acumulação e comecei a circulação. E fiz o
mesmo com os CDs, depois de gravar no meu laptop o que gosto e saber que tudo
está disponível no Spotify, no YouTube, no Vimeo...
Depois, doei ao Museu da Imagem e do
Som (MIS) uns 700 livros sobre música e cinema brasileiros que vinha acumulando
nos últimos 50 anos, quase todos já lidos. Aproveitei e doei todos os meus CDs
e LPs de música brasileira, fiquei só com uns poucos autografados ou de valor
afetivo. No MIS poderão ser muito mais úteis do que em minha casa. E se
precisar de algum livro para um trabalho, peço emprestado ao MIS. Olhando o
espaço vazio nas estantes, pensei: e por que não dar todos os outros livros,
romances, ensaios, biografias, história, poesia, bons e ruins, que li e que não
li, que ganhei, que nunca vou ler?
Pois é, não estão fazendo a menor
falta. Pelo contrário, a casa ficou mais leve e espaçosa e fico mais feliz
sabendo que eles vão ser lidos e ouvidos por muita gente que não poderia
desfrutá-los.
Não se trata de “desprendimento” ou
“generosidade”. É apenas um exercício de desapego, em meu próprio benefício,
para meu bem-estar. Não perdi nada, ganhei dois quartos em minha casa para
melhor uso. Pense nisso, é uma prova de amor pelos livros e discos. E pela
tecnologia.
Mas novos livros e CDs não param de
chegar.
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