No escurinho da adega: Janot e o advogado dos irmãos Batista |
IRRESPONSABILIDADE
Janot
revela desconfiança em relação à nova procuradora,
como
se ela e equipe fossem incapazes de apresentar uma denúncia
Por Denis
Lerrer Ronsenfield
O
Globo – 18/09/2017
O
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no seu estertor, decide criar um
clima de instabilidade no país, sabendo, de antemão, que as chances de sua
denúncia prosperar na Câmara dos Deputados são próximas a zero.
Sabe-se
de antemão derrotado, porém procura produzir o máximo de prejuízos antes de
partir. A sua irresponsabilidade é tanto mais grave por expor um comportamento
errático, que termina prejudicando a sua própria instituição e, em particular,
a operação Lava-Jato.
Sua
peça de acusação ao presidente Temer mais parece uma obsessão. Dá a impressão
de ser movido por razões psicológicas, com viés político-ideológico, na medida
em que esse melhor encaixa-se ao politicamente correto vigente em setores da
mídia e da opinião pública. Sua peça tem muito mais um perfil de suposta
ciência ou história política do que jurídica. Produziu uma narrativa para
convencer.
Trabalha
com suposições, ouvir dizer, delações de mentirosos contumazes, criminosos que
lideram organizações empresariais e ilações dos mais diferentes tipos, sem
apresentar as provas materiais correspondentes.
Aliás,
em termos de “ilações”, caberia a pergunta de por que teria ele aplicado ao
presidente da República a teoria do “domínio de fato”, quando não mostrou
precisamente nenhuma prova material direta ou indireta contra ele. Onde estão
as contas no exterior? Onde estão os e-mails comprometedores e assim por diante?
“Por
que Janot não recebeu o advogado dos irmãos Batista
na
Procuradoria? Preferiu fazê-lo às escondidas, como se
estivesse
fazendo algo que não deveria ser feito. Deveria ter
se
mostrado incapacitado a continuar atuando neste caso.
Prejudicou
fortemente a imagem da instituição que representa.”
A
pergunta é tanto mais pertinente, porque seria muito mais bem aplicada a ele
mesmo. Não sabia das atividades duplas de seu ex-braço direito Marcelo Miller?
Sentiu-se “ludibriado”?
Ora,
ora!
A
resposta é pueril. Foi igualmente noticiado que outros dois procuradores
estariam envolvidos nesta manobra. Não seria pelo menos razoável concluir estas
investigações antes de apresentar uma nova denúncia contra o presidente da
República?
Ou
talvez, muito mais correto, teria sido transferir estas investigações à Polícia
Federal, evitando o espírito corporativo do próprio Ministério Público Federal?
A
delação dos irmãos Batista e de seu diretor de Relações Institucionais já tinha
provocado um grau de insatisfação muito grande junto à opinião pública.
De
fato, como pode uma empresa, que agia de forma criminosa, ser agraciada com a
imunidade penal e com um acordo de leniência em relação às suas empresas depois
de todo o prejuízo causado à nação?
Ora,
a revelação de um áudio entre Joesley Batista e Ricardo Saud mostra que um
flagrante (ação controlada) teria sido montado contra o presidente da República
sem autorização da Justiça, no caso o Supremo. A prova, neste sentido, seria
passível de anulação.
Do
ponto de vista moral, o procurador-geral deveria ter se demitido de suas
funções ou se declarado incapaz de seguir com esta denúncia, deixando-a para
sua sucessora. Ele e sua equipe estão em um verdadeiro frenesi de denúncias,
atingindo os mais diferentes partidos políticos, ministros e parlamentares. Em
poucas semanas, estão tentando fazer o que foram incapazes em anos.
Cautelosamente,
deveriam aguardar as investigações, concluir bem os inquéritos e denúncias, de
modo que o seu trabalho fosse tecnicamente e juridicamente reconhecido.
Escolheram a incompletude e o açodamento, de medo que a Dra. Raquel Dodge
viesse a com eles não concordar.
O
que o Dr. Janot revela é uma profunda desconfiança em relação à nova
procuradora-geral, como se ela e sua equipe fossem incapazes de apresentar uma
denúncia!
A
foto, agora célebre, de Rodrigo Janot com o advogado dos irmãos Batista é um
caso à parte. Para quem defende tanto a formalidade das agendas, seu encontro
“furtivo” revela uma franca contradição entre o seu discurso e a sua atuação!
Foi flagrado — não armado — de óculos escuros, por um cliente anônimo, em uma
mesa improvisada atrás de uns caixotes de cerveja, em um boteco, na verdade,
uma distribuidora de bebidas. Por que não o recebeu na Procuradoria?
Preferiu
fazê-lo às escondidas, como se estivesse fazendo algo que não deveria ser
feito. Deveria ter se mostrado incapacitado a continuar atuando neste caso.
Prejudicou fortemente a imagem da instituição que representa.
Por
sua vez, o Supremo Tribunal Federal, cuja função deveria ser a de árbitro, de
juiz, tornou-se parte dos problemas nacionais. Não consegue intervir no
equacionamento das disputas e termina, por sua incapacidade,
potencializando-as. Tomemos um exemplo desta semana.
Deveria
ter julgado dois pedidos da defesa do presidente Temer: o da arguição de
suspeição do procurador-geral da República e o da conclusão das investigações
do Ministério Público, antes do oferecimento de qualquer denúncia relativa ao
presidente.
Ora,
conseguiu finalizar o primeiro e sustar o julgamento do segundo até
quarta-feira da próxima semana, quando seria necessário que se pronunciasse
sobre a iminência desta nova denúncia. Denúncia contra o presidente da
República é algo muito importante, que exigiria uma decisão do Supremo, e não a
sua omissão. Deixou ao procurador Janot a decisão final, quando esse é
precisamente um dos pivôs da crise.
Dênis Lerrer Ronsenfield |
Agora,
na apresentação da segunda denúncia, o ministro Fachin poderia ter seguido a
letra da Constituição e tê-la remetido diretamente à Câmara dos Deputados.
Optou, mostrando uma cautela inexistente em outros pedidos do procurador-geral
que foram simplesmente homologados, por submetê-la ao plenário, aguardando que
este se pronuncie quanto à questão pendente da conclusão das investigações.
Nada
disto, porém, está previsto constitucionalmente. Uma não decisão do Supremo ao
decidir não decidir empodera um procurador-geral contestado, arbitrário em suas
ações, e coloca um ministro da própria instituição diante de uma situação não
contemplada na própria Constituição.
Se
houvesse decidido suspender qualquer nova denúncia à conclusão da investigação
em curso no próprio Ministério Público, teria produzido segurança jurídica e
respeito à Constituição. Ao não fazê-lo, aumenta a instabilidade institucional.
Denis Lerrer Ronsenfield é
professor de Filosofia
na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
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