quinta-feira, 8 de setembro de 2016

COLUNA DO CLÓVIS

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VISÕES E SIMULACROS

(Por Clóvis Campêlo) Desde menino eu sei que os cães enxergam em preto e branco. Isso sempre me deixou preocupado e temente de que, em uma outra encarnação, voltasse à Terra como cachorro, sem enxergar as cores do mundo, as matizes cromáticas que fazem a felicidade da propaganda consumista e a alegria e a ilusão do homem moderno. Eu mesmo não saberia viver sem isso. Seria humanamente impossível. Se com tantas cores o mundo ainda pode nos decepcionar, imagine em branco e preto...

Afinal, nós, humanos, como São Tomé, imaginamos que o mundo seja apenas aquilo que vemos, muito embora, hoje, já se saiba que a percepção visual do mundo, a cosmovisão, varia de espécie para espécie animal. O mundo é muito mais do que enxerga a nossa visão limitada e do que imagina a nossa vã filosofia racionalista.

Assim, os pássaros noturnos tem nas suas células visuais uma pigmentação diferenciada e terminais nervosos que os permitem enxergar o que nós, humanos, não podemos ver à noite. Para quem precisa da caça para sobreviver, isso é imprescindível.

Para quem não tem essa capacidade noturna, como o bicho homem, restou o consolo de descobrir o fogo, queimar óleo de baleia nos lampiões das cidades de ontem e inventar a luz elétrica. Clarear a noite tornou-se imprescindível para as civilizações modernas. Com o advento da Revolução Industrial e a invenção de máquinas mirabolantes, verdadeiras parafernálias destrinchadoras da luz, vieram o cinema, a televisão, o computador, os tablets e outras coisas mais. Tudo isso, com todos os trocadilhos possíveis, tem custados os olhos da cara do homem moderno.


Essas mesmas máquinas mirabolantes, filhas da modernidade, permitiram ao bicho homem ampliar o acervo da sua memória visual. Já não basta enxergar o que existe diante dos olhos. Hoje, temos mecanicamente explicitados para nós o micro e o macrocosmos, conhecemos as órbitas dos planetas e dos életrons, fotografamos amebas e nebulosas, mergulhamos nos azuis dos céus e dos mares, sempre em busca de outras imagens, outras visões, outros paradigmas. Mais do que nunca, nos tempos modernos, o homem exercita a sua capacidade visual e traduz o mundo que o cerca e que às vezes ele não vê com os próprios olhos.

Tornamo-nos conceituais, regidos por imagens que os nossos olhos não captaram ao vivo mas que foram fornecidas às nossa retinas por máquinas inventadas por nós mesmos, as alavancas de Galileu. A viagem passou a ser mental, virtual. Não necessitamos mais de deslocamentos no espaço físico do mundo para conhecê-lo. Basta que ele venha até nós através dos seus simulacros e nós o decifraremos de forma adequada ou ilusória.

Fazer o quê? Esse é o nosso tempo e o nosso mundo. Triste de quem renegar a sua época!


Recife, 2012

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