LAVA
JATO VÊ DESVIOS DO PETROLÃO
COMO
CORRUPÇÃO, NÃO COMO CAIXA DOIS
Em
português claro: os criminosos transformaram
a
Justiça Eleitoral em lavanderia de verbas malcheirosas
Por Josias
de Souza
22/09/2016
04:38
Ainda
que fosse bem sucedida, a tentativa da oligarquia partidária da Câmara de
anistiar o caixa dois teria pouco ou nenhum efeito no caso do petrolão. Para a
força-tarefa da Lava Jato, o escândalo atual é comparável, nesse particular, ao
do mensalão. Também naquele caso, parte dos acusados alegou que o dinheiro sujo
era mero caixa dois. Mas o Supremo Tribunal Federal condenou-os por crimes como
corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e até peculato.
A
Lava Jato detectou uma sofisticação dos criminosos: um pedaço da verba roubada
da Petrobras e de outros guichês do Estado foi convertido em doações de
aparência legal. Mas o Ministério Público Federal e o juiz Sérgio Moro logo
farejaram a esperteza. Em ofícios remetidos ao Tribunal Superior Eleitoral, Moro
alertou para a anomalia. Num deles, de fevereiro, o juiz enviou provas
requisitadas pela Justiça Eleitoral. E anotou que ficou ''comprovado o
direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobras para
doações eleitorais registradas.'' Em português claro: os criminosos
transformaram a Justiça Eleitoral em lavanderia de verbas malcheirosas.
“Se
um ladrão de bancos afirma ao juiz como álibi
que
outros também roubam bancos,
isso
não faz qualquer diferença
em
relação a sua culpa'' – diz Moro
No
mês passado, ao mandar soltar o marqueteiro João Santana e sua mulher Mônica
Moura, Sérgio Moro usou termos duros para criticar a naturalidade com que o
casal do marketing das campanhas petistas alegou que o dinheiro entesourado
numa conta secreta na Suíça viera do caixa dois do comitê Dilma-2010. “É
trapaça que não pode ser subestimada'', anotou o juiz, antes de ''censurar em
ambos —marido e mulher— a naturalidade e a desfaçatez com as quais receberam,
como eles mesmo admitem, recursos não contabilizados. […] O álibi 'todos assim
fazem' não é provavelmente verdadeiro e ainda que o fosse não elimina a
responsabilidade individual.'' Moro acrescentou: ''Se um ladrão de bancos
afirma ao juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz
qualquer diferença em relação a sua culpa.''
As
palavras do juiz da Lava Jato são comparáveis a expressões usadas pela ministra
Cármen Lúcia, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento que
condenou o ex-tesoureiro petista Delúblio Soares no mensalão: “Acho estranho e
muito grave que alguém diga, com toda tranquilidade, que ‘ora, houve caixa
dois’ na tribuna do tribunal supremo do país como se fosse algo banal,
tranquilo, que se afirma com singeleza. Caixa dois é crime; caixa dois é uma
agressão à sociedade brasileira; caixa dois compromete, mesmo que tivesse sido
isso, ou só isso; e isso não é só; e isso não é pouco!”
Deve-se
a tentativa de empurrar a Lava Jato para o caldeirão do caixa dois a uma
deficiência da legislação. Não há nenhuma dúvida de que a caixa paralela
constitui um delito eleitoral. É um tipo de abuso do poder econômico que
sujeita o autor a penas como a perda do mandato e à inelegilidade. Mas há, sim,
uma controvérsia quanto à possibilidade de enquadrar o caixa dois como um
delito criminal.
“Os
partidos de oposição juntaram-se à caravana
porque vem aí a delação premiada
dos
ex-executivos da Odebrecht”
Um
ministro do TSE explicou ao blog que há nos arquivos do tribunal decisões que
se guiaram por duas correntes divergentes. Numa, o caixa dois é considerado um
delito atípico do ponto de vista criminal. Quer dizer: não haveria uma lei
tipificando o crime. O que impediria a imposição de sanções criminais aos
adeptos da prática.
Noutra
corrente, os julgadores criminalizam o caixa dois escorando-se no artigo 350 do
Código Eleitoral. Esse artigo anota que é crime “omitir, em documento público
ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer
inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”.
Assim, a omissão de valores na prestação de contas dos candidatos à Justiça
Eleitoral seria passível de punição também na esfera criminal, não apenas na
eleitoral. Hoje, a pena máxima prevista é de 5 anos de cadeia, mais multa.
Foi
em função dessa controvérsia que os procuradores da Lava Jato incluíram no item
8 do pacote de dez medidas anticorrupção a ideia de aprovar uma lei que deixe
mais clara, acima de qualquer dúvida, a criminalização do caixa dois. Os barões
da Câmara aproveitam para esgrimir a tese segundo a qual a aprovação da lei
requerida pela Procuradoria passaria uma borracha sobre todo o caixa dois
praticado antes da aprovação do projeto, já que nenhuma lei pode ser aplicada
retroativamente.
JOSIAS DE SOUZA É JORNALISTA |
Escondem-se
atrás da articulação da anistia para o caixa dois líderes de pelo menos seis
partidos: PSDB, DEM, PMDB, PT, PP e PR. A exemplo de João Santana, todos
afirmam que a prática é generalizada. Ao justificar o próprio caixa dois
invocando a existência de outras caixas, visam não a moralização, mas a
perpetuação da imoralidade.
Os
partidos de oposição juntaram-se à caravana porque vem aí a delação premiada
dos ex-executivos da Odebrecht. Estima-se que, se forem homologados, os
depoimentos pendurarão de ponta-cabeça nas manchetes os nomes de mais de uma
centena de políticos beneficiários de repasses da empreiteira que ajudou a
assaltar a Petrobras. Entre eles luminares tucanos.
O
tucanato avalia que a anistia do caixa dois lhe convém porque seus líderes irão
sustentar que, nos seus casos, os repasses não podem ser classificados como
propina ou corrupção. Por quê? Como fazia oposição aos governos de Lula e
Dilma, o PSDB não dispunha de poder para proporcionar negócios aos doadores.
Assim, o crime seria ''apenas'' o caixa dois, não corrupção e lavagem de
dinheiro. Resta saber se vai colar.
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