PAPAI NOEL NUNCA ME ENGANOU
(Por Clóvis Campêlo) A
Viana Leal ficava na Rua da Palma, no centro do Recife. Uma das primeiras lojas
de departamentos criadas na cidade, nos anos 50, diferenciava-se das outras por
conta da bela escada rolante existente e por onde nós subíamos para falar com
Papai Noel, no primeiro andar. Foi lá que o conheci pessoalmente e onde comecei
a alimentar a minha bronca natalina.
Primeiro,
por conta dos presentes que nunca correspondiam aos que eu solicitava. Seria
doido ou surdo o bom velhinho? Pedia-lhe uma bicicleta e vinha um avião de
plástico. Pedia-lhe uma charmosa bola de couro e recebia uma outra de plástico
chinfrim. Coisa chata aquilo. Não desconfiava que os meus pedidos esbarravam no
salário parco de funcionário público do meu pai. Naquela época, para mim, o
mundo era mágico e Papai Noel existia de verdade. Só não compreendia a sua
capacidade de não me atender aos pedidos.
Numa
das últimas vezes que lá estive, notei que a bela roupa vermelha de Papai Noel
cheirava a suor. Aquilo me intrigou. Será que o bom velhinho não gostava de
tomar banhos? Ou será que, morando sozinho no Pólo Norte, não tinha quem lhe
lavasse as roupas com as quais trabalhava?
CLÓVIS CAMPÊLO |
Para
mim, naquela data, Papai Noel se humanizava e começava a perder a sua aura
mágica e poderosa. Sempre o imaginara como um anjo, um ser divinal criado por
Deus apenas para atender aos sonhos e desejos das crianças do mundo todo. Em
função dessa crença, esforçava-me o ano inteiro para ser uma criança boa e
estudiosa. Em muitos Natais cujos presentes recebidos não correspondiam aos
solicitados, atribui a mim mesmo essa responsabilidade. Talvez, naquele ano, eu
não tivesse correspondido às expectativas na escola e no meu comportamento em
casa e por isso não merecesse ser atendido nas minhas pretensões infantis.
Papai Noel era justo e atencioso, um ser divino, e não me faria uma falseta
dessas. Mas, se assim era, como podia suar e cheirar a suor. Alí havia algo de
errado e alguém teria que me explicar o que era. Sendo Papai Noel humano e
suador, a culpa não poderia ser só minha.
Minhas
dúvidas acabaram-se de vez, logo depois do Natal, quando passei com o meu pai
em frente ao Bar Savoy e vi nada mais nada menos do que o nosso Papai Noel, à
paisana, tomando uma cerveja geladíssima ao lado de uma loira suspeita.
Ali,
o sonho acabou de vez: Papai Noel era uma fantasia.
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