QUINO |
SUCESSO
DO PREFEITO DEPENDE DA BUROCRACIA
No
Brasil, a história da qualificação da administração pública é bastante truncada
e ambígua. Nos primeiros cem anos do país vigorava, quase integralmente, o
loteamento do Estado pelo patrimonialismo
Por
Fernando Abrucio (*)
UOL
- 29/09/2016 - 02h00
Escolher
um bom candidato a prefeito é o primeiro passo, mas não é suficiente para se
ter um bom governo municipal. Os eleitos em 2016 terão de contar com outros
elementos para seu sucesso, e um dos mais relevantes é o da qualidade da
burocracia de sua cidade. Mesmo aqueles que defendem uma concepção de Estado
menor dependerão de funcionários públicos qualificados para levar adiante os
seus planos. Isso pode parecer óbvio, caro leitor, porém este tema tem sido
solenemente ignorado ao longo da campanha e dos debates.
Desde
os estudos clássicos de Max Weber e Woodrow Wilson sabe-se que a burocracia é
uma peça-chave nos governos contemporâneos. Os políticos tomam as principais
decisões sobre a agenda pública, dada a legitimidade democrática que têm. A
formulação e a implementação das políticas, entretanto, passam fortemente pela
capacidade técnica e gerencial dos burocratas de carreira e dos principais
assessores.
No
Brasil, a história da qualificação da administração pública é bastante truncada
e ambígua. Nos primeiros cem anos do país vigorava, quase integralmente, o
loteamento do Estado pelo patrimonialismo. A primeira grande mudança ocorreu na
década de 1930, com a criação do Dasp, que procurou introduzir o princípio da
meritocracia, basicamente para os setores estatais voltados ao desenvolvimento
econômico. Em todo o restante ainda prevalecia a distribuição de cargos em nome
do clientelismo e fisiologismo.
A
mudança feita pelo Dasp foi, na verdade, lenta e incompleta. O buraco maior da
administração pública estava nos Estados e, principalmente, municípios, onde,
na imensa maioria dos casos, o patrimonialismo era a marca. A Constituição de
1988 começou a mudar essa situação, ao ampliar o uso do concurso público e
tornar necessárias, a todos os níveis de governos, outras medidas de
profissionalização da administração pública. De lá para cá, a situação
administrativa dos municípios melhorou, tornando-os um elemento central do
welfare state brasileiro.
Mas
a realidade da maioria das municipalidades ainda é preocupante. A maior
fragilidade da burocracia está, geralmente, nos pequenos municípios das regiões
mais pobres. Contudo, as cidades em áreas metropolitanas enfrentam problemas
bem mais complexos e normalmente têm uma estrutura administrativa que está bem
aquém do necessário.
O
desafio hoje é ampliar três processos de modernização das administrações
públicas locais que já foram iniciados no país. O primeiro é o da expansão da
profissionalização da burocracia, fortalecendo tanto as carreiras estratégicas
no campo da gestão, como as áreas responsáveis pela implementação das políticas
sociais, valorizando professores, médicos e outros burocratas que atendem ao
público. Cabe ressaltar que seria interessante também criar processos
transparentes de seleção meritocrática do alto escalão dos governos locais.
Um
segundo foco de mudança deve ser o aprofundamento dos instrumentos de
democratização dos municípios. Isso passa pelo fortalecimento das arenas de
participação e pela maior transparência dos dados e atos governamentais –o
chamado Governo Aberto. E como corolário da melhoria da burocracia local, é
fundamental utilizar ferramentas da gestão por resultados, como metas, indicadores,
formas de contratualização e outras ações administrativas que tornem os
governos mais eficientes e efetivos.
Se
o candidato a prefeito não estiver falando dessa agenda de modernização da
burocracia, desconfie que ele não poderá cumprir as promessas de campanha.
(*) Fernando Abrucio é doutor
em ciência política pela USP. Professor e pesquisador da FGV-SP, atualmente
coordena a graduação em administração pública da instituição. Pesquisa temas
vinculados ao sistema político brasileiro, federalismo, governança local,
gestão pública e educação.
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