ILUSTRAÇÃO: GUSTAVO DUARTE |
A
DIREITA NÃO ACREDITA EM IDEIAS
E
ACHA QUE INTELECTUAL
É
ANIMADOR DE FESTAS
Nelson
Rodrigues dizia que um homem com menos de 18 anos
não
devia nem dizer "bom dia" para uma mulher porque só diria besteiras
Por Luiz Felipe Pondé
UOL - 19/09/2016 02h00
Sim,
a direita é meio tosca mesmo. E não me refiro à direita horrorosa a favor da
ditadura militar. Refiro-me à direita liberal, a favor da sociedade de mercado.
Ela ainda acha que pensar é arroz de festa.
Alguns
anos atrás escrevi uma coluna que falava de uma outra dificuldade estrutural da
direita liberal no Brasil: não sabe pegar mulher. Na época, me referia a
necessidade da direita liberal jovem deixar de ser chata e criar uma
"direita festiva". Não saber pegar mulher é uma coisa muita séria
para um homem. Saber pegar mulher é um traço adaptativo importante na história
do Sapiens.
Nelson
Rodrigues dizia que um homem com menos de 18 anos não devia nem dizer "bom
dia" para uma mulher porque só diria besteiras.
Um
jovem liberal deveria, antes de falar com uma mulher, observar como os jovens
de esquerda se movem de forma competente quando se trata de pegar mulher. Sabem
conversar sobre filmes, livros, sentimentos. Arriscaria dizer que mesmo
liberais de mais de quarenta anos continuam bobos diante de uma mulher e acabam
por falar coisas grosseiras e idiotas. Nunca se deve menosprezar a importância
de saber pegar mulher quando se trata do futuro da humanidade em jogo.
Mas,
há uma outra dificuldade estrutural da direita liberal: só acredita em economia
e não acredita em ideias, por isso nunca investe nelas e considera um
intelectual um animador de festa e jantares. Acredita mesmo que tudo pode ser
comprado e aí apanha da esquerda, que tem uma visão mais abrangente do Sapiens,
mesmo que a use para mentir ou criar mundos absurdos. Falta à direita um
repertório humanista, por isso é meio tosca.
Isso
pode parecer uma questão de detalhe, mas não é. Claro que não se trata de uma
regra geral, mas, diria, se trata de um caso quase perdido. A direita liberal
acha que o pragmatismo econômico é a única forma de ação que existe no homem.
Aqui já aparece sua pobreza de espírito: deixa para a esquerda toda a rica
reflexão acerca da humanidade e do "cuidado" para com nosso
sofrimento, agonia e inseguranças. A falta de compreensão para com o sofrimento
humano é uma das piores faces que a direita liberal apresenta para o mundo. E
isso cria a reserva do "mercado humanista" para a esquerda.
ARTE: RICARDO CAMMAROTA |
A
"mania econômica" da direita liberal a cega para o fato que muito já
se produziu em matéria de reflexão sobre a humanidade ao longo dos séculos, e,
com isso, condena os mais jovens às inutilidades do humanismo raso da esquerda,
nascido do ressentimento.
Por
isso, essa direita será sempre incapaz de enfrentar a esquerda no plano das
ideias. Contará sempre com partidos fisiológicos para lidar com a
inquestionável hegemonia intelectual da esquerda no país. E nunca terá
interlocução no mundo da produção de conteúdo porque, exatamente, não acredita
na inteligência.
No
fundo, é a velha mesquinharia característica de quem vê a vida a partir do
"livro-caixa da loja". Falta uma certa coragem espiritual à direita
liberal, o que, reconheçamos, não falta à esquerda em geral. Não consegue
entender que, se a vida é em grande parte uma cadeia produtiva sem garantia ou
piedade, ela é, também, uma narrativa sobre esse sentimento asfixiante de
contingência, abandono e solidão que acomete o Sapiens há milênios.
Narramos
nossa vida e nossas experiências porque precisamos dessas narrativas. Na falta
de certezas sobre o sentido maior das coisas, aprendemos, ao longo dos
milênios, a sentar ao redor do fogo para contar histórias, experiências, medos
e projetos de como superá-los.
A
direita não acredita na importância das narrativas sobre a vida, sobre nossas
vitórias e sobre nossas derrotas. E quando olha para esses assuntos, o faz,
sempre e unicamente, com os olhos do marketing. E o pecado do marketing é sua
estrutural contradição para com a ideia de autenticidade. E todos, inclusive
quem trabalha com o marketing, sabe desse abismo que o separa da ânsia de
verdade que nos assola desde o Paleolítico. Falta à direita liberal humildade
para aprender com nossas sombras. Falta a ela reverência pelo fracasso.
***
Luiz
Felipe Pondé é pernambucano, filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela
USP, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv,
professor da PUC-SP e da Faap, discute temas como comportamento
contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários títulos,
entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa).)
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