MINGA, ZÓIO DE PRATA
(Por Cora Coralina) Eram
elas as senhoras-donas, ali no beco do Calabrote.
Quem
transitasse pelo beco, tivesse cuidado... Passasse quieto e bonzinho. Não se
engraçasse nem fizesse cara de pouco. E quem fosse de entrar, empurrasse a
porta de dentro, com fala curta e dinheiro pronto. Escândalo de mulher-dama não
dava; nunca deu; também, nunca foram levadas, como tantas, para capinar na
frente da cadeia. Família de respeito podia passar toda hora, não via nada.
Macho, porém, que não se fizesse de besta... Eram donas e autoridade no beco. O
beco era delas. E tinham prestígio.
Duas
irmãs, morando juntas na mesma casa, de porta e janela aberta aos homens que
quisessem entrar; isso a Zóio de Prata. Já a Dondoca, tinha seu homem e era
pontual a ele só.
Também
eram conhecidas por As Cômodas, na roda da macheza. Minga era durona. Não
tretasse com ela, saindo sem deixar a taxa... Um que tentou a rasteira, ela
alcançou já fora do beco e deixou sem as calças no meio da rua.
Tinha
mesmo um bugalho branco, saltado, e era vesga do outro. Espinhenta, de cabelo
sarará, mulatona encorpada, de bacia estreita, peito masculino, de mamilos
duros, musculosa; servindo bem no ofício, de fala curta, braço forte, mãos
grandes.
Um
dia, voltava ela do mercado com um frango na mão, deu de cara com a irmã
chorando, de cara amassada e beiço partido. Tinha entrado na peia do amigo — o
Izé da Bina — à-toa, ruindade de pingado ordinário. Dei'stá — disse ela — sai
fora e deixa por minha conta. Óia, vai depená esse frango pra nóis na casa da
vizinha e só entra quando eu chamá...
Dondoca
foi fazer o mandado. Estava ela na casa da vizinha depenando o frango, quando
chegou o Izé da Bina, todo mandante, de paletó preto, gravata borboleta, calça
engomada.
Entrou
no quarto e gritou autoritário pela Dondoca. Quem apareceu foi a Zóio de Prata,
de manga arregaçada e porrete na mão. Atirou-se no mulato com vontade e foi
porretada de direita e canhota. Bateu com sustância, sovou com fôlego, quebrou
as carnes, moeu bem moído. No fim, jogou fora o cacete e entrou de corpo. Numa
boa sobarbada deu com o crioulo no chão. Sentou em cima e esmurrou à vontade.
Quebrou as ventas, partiu dois dentes, entrou no olho... xingou nomes... desses
de ouvindo dizer o Antônio Meiaquarta, tipo de rua, rei dos bocas-sujas da
cidade: eu sei dois contos e quinhentos de nomes indecentes... Zóio de Prata
sabe cinco contos... apanhei dela, bateu em mim... tou descarado, apanhei
dela... muié praceada... êta muié sagais.
Depois
de ver o cabra mole, estirado, fungando, Zóio de Prata assungou a saia, abriu
as pernas e mijou na cara de Izé da Bina.
Estava
vingada a Dondoca e consolidada a fama das Cômodas.
***
MUSEU CASA DE CORA CORALINA
“O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada.
Caminhando e semeando, no fim terás o que colher”.
Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, que adotou o pseudônimo de
Cora Coralina, nasceu em 20 de agosto de 1889 em na cidade de Goiás, Goiânia.
Fez apenas os estudos primários, mas em 1910 teve um conto publicado no Anuário
Histórico Geográfico e Descritivo do Estado de Goiás, já com o seu pseudônimo.
Em 1911, fugiu com o advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo
Bretas para Penápolis, vinte e dois anos mais velho que ela, casado e separado
da mulher. Casaram-se mais tarde, após a viuvez de Cantídio. Viveram em várias
cidades do interior paulista até 1934, quando Cantídio faleceu.
Cora Coralina e seus seis filhos mudaram-se para São Paulo.
Colaborou no Jornal O Estado de São Paulo e trabalhou como vendedora da
Livraria José Olympio. Em 1938 voltou para Penápolis e abriu uma Casa de
Retalhos.
Após quarenta e cinco anos voltou para sua cidade natal, para a
velha casa da Ponte do Rio Vermelho, onde nasceu. Trabalhou como doceira por
mais de vinte anos e assumiu seu outro ofício: o de poetisa. Cora Coralina
vendia seus doces de casa em casa e recitava suas poesias.
Recebeu diversos prêmios como escritora. Em 1983 recebeu o título de
Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Goiás.
Faleceu em 10 de abril de 1985, em Goiânia, GO.
Algumas obras: Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965); Meu
livro de cordel (1976); Vintém de cobre (1983).
FONTE: PORTAL DA
PREFEITURA DE SÃO PAULO
Nenhum comentário:
Postar um comentário