terça-feira, 13 de setembro de 2016

UMA ENTREVISTA QUE NÃO HOUVE





Estava tudo acertado, combinadinho da silva. Mas gorou.

A família não entendia por que aquela rede de tevê queria entrevistá-lo, menos ainda por que queria saber sua opinião sobre assuntos tão diversos – da passeata gay à festa de Iemanjá, sem descuidar do aumento da passagem dos transportes coletivos. Não era ZIca. Nem Canô.

-- Diga à tevê que eu topo. Falo sobre tudo. Pra mim, não há, nunca houve, assunto tabu. Até que enfim, alguém resolveu dar valor à experiência, a forma mais sólida de sabedoria. Que venha a tevê. Vou me banhar, fazer a barba, coçar o pé, botar o pijama novo. 

A equipe chegou. A repórter foi logo passando ao Velho Marinheiro as instruções:

-- Vou lhe perguntar isso. Depois, aquilo. Seja breve. O tempo de tevê é curto...

-- Princesa, não se preocupe: sou de pouco falar. 

Eis que entra em cena o maquiador. Precisava passar um pó no rosto do lobo do mar, para retirar o excesso de brilho.

-- É de praxe, vovô.

-- Vovô, o cacete. Nunca tive neto veado. Que eu saiba!

Conversa daqui, conversa de lá, o Velho Marinheiro aquiesceu:

-- Mas não pinte minhas bochechas de vermelho. Quem gostava de ruge era sua avó, que conheci bem. Não ouse sapecar pontinhos pretos. Homem como a senhora não merece confiança, ainda mais numa época como essa: de festejos juninos.

A coisa desandou de vez, quando o maquiador ponderou:

-- Sem um batom neutro nos lábios...

A correria foi grande; o vexame, imenso. A equipe se mandou sem cumprir a pauta, em solidariedade ao maquiador. 

O Velho Marinheiro, nosso Lobo do Mar, resolveu que entrevistas, dali pra frente, só pra jornal ou rádio.  Ou por escrito.  

(ORLANDO SILVEIRA - 2013)



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