OTÁVIO NUNES É JORNALISTA |
O QUE SERÁ QUE MEU PÉ SONHOU?
(Por Otávio Nunes) Ontem,
voltando para casa, sentado num banco de ônibus, com o corpo torto feito anzol
e olhando o movimento das ruas, percebi que meu pé estava dormindo. Sensação
esquisita. Parecia que um monte de agulhas estivesse me espetando ou um
batalhão de formigas picando-me. Passou-me, então, pela cabeça. Será que,
dormindo, meu pé sonhou? Sendo assim, o que ele sonhou?
Talvez
ele quisesse estar em outro lugar, pisando em outras terras, outros países. Por
ser extensão do meu corpo, é bem possível que, em seus contatos com o cérebro,
seja conhecedor dos meus sonhos e minha vontade de largar esta vidinha besta,
de pegar ônibus todo dia.
Coitado,
meu pé deve estar cansado de caminhar sempre na mesma direção, sempre na mesma
trilha. Quer conhecer outras plagas, sentir tipos diferentes de solos, como as
areias do Saara, ou das praias gregas, pedregulhos dos Alpes suíços ou mesmo o
limbo verde e escorregadio das montanhas da Bósnia, que circundam Saravejo,
cidade maravilhosa, de tanta história e sangue. Meu pé bem que poderia estar
sonhando pisar sorrateiro no tapete de folhas secas em volta das árvores
grudadinhas, lado a lado, que tornam a Amazônia quase instransponível.
Meu
querido dorminhoco estaria pensando em chutar o traseiro de políticos
desonestos, demagogos e autoritários. O mesmo vale para qualquer cidadão que
mereça tais adjetivos. Meu pisante (por que não?) deveria estar sonhando em
chutar e conduzir a bola como os grandes do futebol. Jogar o mesmo que Pelé,
Garrinha, Johan Cruyff, Franz Beckembauer, Diego Maradona, Lionel Messi,
Cristiano Ronaldo, Michel Platini ou o deus magiar Ferenc Puskas.
Poderia
meu pé ter sonhado que estava no estribo, cavalgando um manga-larga castanho,
daqueles que relincham de forma estridente e bela. E, ao tocar o solo, emitem
sons parecidos com as castanholas nas mãos de uma bela espanhola de Andaluzia.
Ou talvez pisando no acelerador de um carro esportivo do ano, igual àqueles que
passam nos comerciais de televisão, que custam valor inatingível à minha conta
corrente.
Não
sei o que meu pé sonhou, mas ele sonhou. Tenho certeza. Afinal, é parte
indissociável de mim.
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