LULA NÃO FOI TÃO LONGE, MAS CHEGOU PERTO |
O
TERCEIRO ATO
Moro
aceitou a denúncia contra Lula.
Hora de conhecer os vencedores
Publicado
no Estadão
A
denúncia contra Lula em Curitiba desfechou um psicodrama nacional. Eu a vejo
como parte de um drama inconcluso. De qualquer forma, os dois primeiros atos
trazem boas indicações para prever o futuro.
Quando
Lula foi levado numa condução coercitiva, abriu-se um grande debate não só
sobre a escolha da Lava Jato, mas sobre a própria legalidade do procedimento.
Entretanto, no âmbito da mesma Lava Jato, mais de uma centena de pessoas foram
conduzidas no momento em que os investigadores escolheram. Não houve nenhum
protesto de monta ao longo de todas essas operações.
A
vantagem de um processo que envolve políticos de peso é que, de certa forma,
põe à prova o próprio Estado de Direito. Tudo o que é feito é escrutinado e
criticado sem piedade pelas forças atingidas.
Foi
assim também com um instrumento mais importante: a delação premiada. Dilma
chegou a comparar os delatores da Lava Jato com Joaquim Silvério dos Reis. Como
se a Lava Jato fosse a opressão portuguesa e os assaltantes da Petrobrás, os
heróis da Inconfidência Mineira.
“Lula
ignorou os documentos apresentados
pelos
procuradores e se fixou na questão política”
Sempre
que nossa cabeça está a prêmio nos lembramos de Tiradentes. Lula também o fez,
no pronunciamento após a denúncia dos procuradores. Não é preciso ser um
luminar em História do Brasil para perceber que são situações essencialmente distintas,
a Inconfidência Mineira e o petrolão.
O
segundo ato do drama foi a apresentação da denúncia. Choveram críticas aos
procuradores. Dessa vez, não só dos petistas, mas também de adversários de Lula
que consideraram a denúncia um excesso.
De
fato nunca houve no Brasil uma denúncia com características tão políticas. Mas
tratava-se de uma organização que dirigiu o País por 13 anos. A denúncia
situava-se no contexto do petrolão, um escândalo que revelou as entranhas do
sistema de financiamento político no Brasil.
Reclamou-se
do tom e da politização e daí se chegou à conclusão de que a denúncia seria
inepta. Considerando que Sergio Moro não se iria basear nem na entrevista nem
no power point, o conceito de inépcia da denúncia dependia, necessariamente, da
leitura atenta de suas 150 páginas. E isso certamente ele o faria. Se a
denúncia fosse inepta, ele a rejeitaria; se não, iria aceitá-la.
E
foi o que Moro fez: aceitou a denúncia. Não está isento de crítica. Mas para
demonstrar o contrário, que a denúncia deva ser rejeitada, é preciso percorrer
com ele as 150 páginas.
“Nos
momentos em que (Lula) está, de fato,
emocionado,
ninguém consegue salvá-lo.
Num
deles, comparou-se a Jesus Cristo.
Não
chegou à audácia dos Beatles.
Ele
estava abaixo de Jesus Cristo,
mas
acima de todos nós”
Os
dois pontos básicos da denúncia, o triplex e o armazenamento dos presentes
presidenciais, foram mostrados com bastantes detalhes, documentos e
fotografias. A crítica mais contundente não se prendeu ao objeto da denúncia,
mas à sua formulação, em que apresenta Lula como o comandante máximo, o
general, o topo da pirâmide.
Isso
não foi amplamente demonstrado e a lacuna ficou mais profunda com a sucessão de
epítetos. Essa é, no entanto, a apreensão geral do Ministério Público,
avaliando o conjunto dos processos, incluídos os de obstrução da Justiça. O
próprio Janot já fez um pronunciamento público afirmando que Lula quer
tumultuar o processo.
Lula
ignorou os documentos apresentados pelos procuradores e se fixou na questão
política. Apresentou-se não mais como uma jararaca, e isso é essencial para
quem quer disputar a Presidência. Os companheiros já o salvaram nos momentos
difíceis. Falcão lembrou de um senador não citado no arco de forças que foi
contra o impeachment. Lula disse que as mulheres falavam até de madrugada no
WhatsApp. Uma voz feminina o salvou do fundo da sala; os homens, também.
Mas
nos momentos em que está, de fato, emocionado, ninguém consegue salvá-lo. Num
deles, comparou-se a Jesus Cristo. Não chegou à audácia dos Beatles. Ele estava
abaixo de Jesus Cristo, mas acima de todos nós.
Em
seguida disse aquela frase sobre os políticos: ninguém é mais honesto do que o
político porque em todas as eleições precisa ir às ruas pedir votos. Nessa
versão tosca de defesa nos garante que nenhum profissional tem profissão mais
honesta que Paulo Maluf, sempre chamado de ladrão, sempre se reelegendo. Os
votos absolvem, não os juízes.
A
história de chamar os funcionários públicos de analfabetos e sugerir que sua
profissão não é tão honesta é um absurdo que deveria levar os defensores a uma
reflexão sobre seu líder.
Afinal
você não anuncia que está na luta pela Presidência e ofende num só parágrafo
todo o funcionalismo público. Ou, então, você não é bom candidato.
Significa
apenas que os artifícios e a mística que sustentaram uma fase de sua vida perderam
todo o vigor. Lula não era um candidato a presidente, mas alguém bastante
abalado na própria autoestima, lembrando, nostalgicamente, uma reunião com os
líderes mundiais e acentuando que Fernando Henrique adoraria estar ali. Tudo o
que reteve de uma importante reunião global foi uma vitória sobre o Fernando
Henrique, como esse vasto mundo estivesse dividido entre PT e PSDB.
FERNANDO GABEIRA É JORNALISTA |
Vi
na televisão alguém comparar os procuradores ao movimento dos tenentes, o
tenentismo. De fato está presente nos dois grupos o mesmo impulso moralizador
da política brasileira. Mas os métodos são outros, o que valeu aos tenentes
prisão e exílio.
Os
procuradores e todos os que participam da Lava Jato trabalham sob o império, da
lei, são controlados por instâncias superiores e também por uma forte cultura
jurídica, que, de repente, brotou na imprensa brasileira. É um processo
saudável, uma discussão necessária. Seria mais bem-sucedida ainda se buscasse
alguma maneira de levar esses cuidados a todos os brasileiros às voltas com a
Justiça.
O
drama ainda não chegou ao terceiro ato: o julgamento. Aos vários julgamentos
que envolvem o período. Nele versões e evidências se chocaram sem parar. Hora
de conhecer os vencedores.
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