Jânio usa o dicionário para ensinar alguma coisa ao colunista
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O
DIA EM QUE BEBI COM JÂNIO
Parte
1: A FERA DO GUARUJÁ
─
Eu não disse? ─ ouvi meu pai dizendo em outubro de 1960.
Depois
daquele comício em que Jânio Quadros comeu um sanduíche de mortadela no
palanque, o prefeito Adail Nunes da Silva tinha dito que o homem seria
presidente da República. E repetiu nos dois anos seguintes a profecia que
acabara de ser confirmada pelas urnas.
─
Eu não disse? ─ ouvi minha mãe dizendo em agosto de 1961.
Depois
daquele jantar em que Jânio lhe pediu um sanduíche de mortadela depois da
sobremesa, dona Biloca tinha dito que o homem era maluco. E repetiu durante os
sete meses de governo o diagnóstico que, disso ela não tinha dúvida, a renúncia
à Presidência acabara de ratificar.
─
Eu não disse? ─ ouvi o repórter Jomar Morais dizendo em maio de 1980, sentado
no banco traseiro do fusca que subia a Via Anchieta.
Em
companhia de Jânio desde a madrugada, ele estava no jardim da casa de praia no
Guarujá quando cheguei com o fotógrafo Pedro Martinelli, no começo da tarde,
para a segunda etapa da reportagem de capa da edição 613 de VEJA.
─
Esse é do ramo ─ disse Jomar com voz baixa e cara de espanto. ─ Está tomando
todas desde cedo e continua inteiraço. É fera.
Devia ter entendido o aviso, penitenciei-me em silêncio ao lado de Jomar no carro, com Pedrão no banco do co-piloto, que escalava a Serra do Mar à noitinha de volta a São Paulo. Que o homem era bom de copo eu sabia desde 1958, quando o vi derrubar mais de meia garrafa de conhaque enquanto jantava em Taquaritinga. Mas achei que o tempo conspirara a meu favor. Quase 22 anos depois da aparição lá em casa, ele já tinha 63 e eu, pouco mais de 30. Dá pra encarar, acreditei naquele 28 de maio de 1980. Foi o dia em que bebi com Jânio Quadros.
Devia ter entendido o aviso, penitenciei-me em silêncio ao lado de Jomar no carro, com Pedrão no banco do co-piloto, que escalava a Serra do Mar à noitinha de volta a São Paulo. Que o homem era bom de copo eu sabia desde 1958, quando o vi derrubar mais de meia garrafa de conhaque enquanto jantava em Taquaritinga. Mas achei que o tempo conspirara a meu favor. Quase 22 anos depois da aparição lá em casa, ele já tinha 63 e eu, pouco mais de 30. Dá pra encarar, acreditei naquele 28 de maio de 1980. Foi o dia em que bebi com Jânio Quadros.
Jomar
soube com quem estava lidando logo
depois de apresentar-se a Jânio em São Sebastião, última escala da rota
percorrida pelo cargueiro norueguês que o trazia da temporada de dois meses na
Europa. O viajante resolveu descer para
passear na cidade deserta às sete da manhã. Ele já fez o aquecimento no
navio, deduziu o repórter ao ver o candidato a homem da capa de VEJA beijar com
a mesma animação uma septuagenária vestida decorosamente e uma jovem de
biquíni, traje que havia banido por decreto tão logo assumiu a Presidência.
Entre
São Sebastião e Santos, enquanto Jomar bebia água mineral, Jânio traçou 20
latas de cerveja dinamarquesa. Era só o começo, mostraria durante o almoço.
Entre garfadas no prato com arroz, feijão, bife e batatas fritas, o anfitrião
derrubou seis copos americanos de caipirinha sem interromper a entrevista, sem
perder em nenhum momento o ritmo e o rumo. “Quem bebe caipirinha enquanto come
é craque”, observou Pedro Martinelli ao ouvir a informação sussurrada no
jardim. E então Jânio Quadros apareceu
na porta da casa. Vestia um slack preto.
E
continuava alegre, avisou o sorriso. Continuava loquaz, avisou a discurseira
durante os cumprimentos. E continuava sedento, avisou a pergunta formulada tão
logo se acomodou por trás da mesa do escritório:
─
O que os senhores jornalistas vão beber?, quis saber, estendendo a mão para a
garrafa de vinho do Porto na estante.
Pedrão
já estava do lado de fora da casa, testando lentes e ângulos perto da janela da
sala. Jomar pediu mais um copo de água
mineral.
─
Uísque ─ caprichei na voz de frequentador de saloon.
O
duelo do Guarujá iria começar. (08/10/2010)
(Amanhã: O ESTILO DO CAMPEÃO, segundo dos três capítulos, narra o início da
histórica bebedeira)
| AUGUSTO NUNES
Augusto
Nunes (Taquaritinga, 25 de setembro de 1949) é jornalista brasileiro.
Em
1971, ingressou nos Diários Associados como revisor. No ano seguinte, foi
contratado como repórter no jornal O
Estado de S. Paulo. Em 1973, Augusto foi para a revista Veja, onde permaneceu até 1986, quando
assumiu a mediação do programa Roda
Vida. Também dirigiu as revistas Veja,
Época e Forbes (edição brasileira) e os jornais O Estado de S. Paulo, Jornal
do Brasil e Zero Hora. Nunes
venceu quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo e foi incluído numa seleção dos
seis mais importantes jornalistas do Brasil, feita pela Fundação Getúlio
Vargas. Atualmente, Augusto Nunes mantém uma coluna na revista Veja. Em agosto de 2013, voltou a ser
mediador do programa Roda Viva, da TV Cultura. (Fonte:
Wikipédia)
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