12.03.2016 – FOLHA DE S.
PAULO
IMPEACHMENT, URGENTE!
(Por Demétrio Magnoli) O círculo
íntimo de Lula abrange apenas dois escudeiros. Paulo Okamotto cuida do caixa;
Gilberto Carvalho, da política. Falando à Folha (7/3), o segundo disparou uma
ameaça dirigida a Dilma Rousseff e outra ao país inteiro. Com Dilma, funcionou:
enquadrada, a presidente reposicionou-se na vanguarda do combate à Lava Jato.
Agora, a escolha tornou-se incontornável: é o impeachment ou o triunfo da velha
ordem.
Carvalho
chamou Dilma a mudar sua agenda econômica, sob pena de acentuar seu
"conflito com o partido", e formulou uma sentença de morte
condicional: "a sobrevivência dela estaria muito ameaçada se saísse do PT".
Quanto ao país, tudo dependeria do "comportamento da Polícia Federal, do
Ministério Público e do Judiciário". Há uma linha vermelha: "Se ficar
claro que a Lava Jato busca combater a corrupção, não o Lula", ok. Caso
contrário, "temo muito um processo que nos leve ao que acontece na
Venezuela". Ok?
Nas
democracias, o Estado detém o monopólio da força legítima. Nos sistemas
autoritários, o regime tem o monopólio da força, que é ilegítima. O regime
chavista em declínio conserva o controle sobre o Judiciário, as forças armadas
e a polícia, usando-o para calar a imprensa, encarcerar opositores e anular as
prerrogativas da maioria parlamentar eleita. Nana, nenê, que a Cuca vem pegar:
pronunciando a palavra "Venezuela", Carvalho apela ao discurso mitológico,
traçando um paralelo impertinente, mas eficaz.
"A urgência da remoção de Dilma decorre da operação criminosa em curso: a transformação do Planalto na sede de um poder ilegal, consagrado à obstrução da justiça. Impeachment já, pois o Brasil não é a Venezuela"
O
Brasil é uma democracia. Mesmo longevo, o governo do PT não se converteu num
regime. Temos um Judiciário independente. A polícia e as forças armadas são
leais a suas funções constitucionais, não a um partido. A Cuca de Carvalho só
pode existir na esfera da imaginação ""mas é nela que investe o
porta-voz de Lula. Seu recado dirige-se à parcela da elite política que,
temendo a Lava Jato, está disposta a abraçar-se ao lulopetismo sob o pretexto
da manutenção da "paz social".
Antes
da entrevista de Carvalho, Dilma iniciara a primeira manobra ostensiva contra a
Lava Jato: a troca do ministro da Justiça. José Eduardo Cardozo tombou sob a
acusação lulista de não "controlar a Polícia Federal", papel que seu
substituto deveria desempenhar. Na hora do depoimento de Lula, a presidente
avançou o sinal, disparando ácidas críticas à condução coercitiva, decisão
judicial questionável por qualquer um exceto a figura que exerce o Poder
Executivo. Depois, ela ouviu a mensagem de Carvalho e pintou-se para uma guerra
contra o sistema de justiça.
A
visita presidencial a Lula, em São Bernardo, um ato oficial de desagravo a um
investigado pela justiça, foi seguida pelo jantar em palácio no qual Dilma
ofereceu um ministério a seu antecessor. O cargo serviria para alçar Lula acima
da jurisdição de Sergio Moro e, ainda, para transformá-lo, oficialmente, em
coordenador político de um governo devotado ao combate contra o Judiciário. Na
sequência, o investigado reuniu-se com Renan Calheiros, ensaiando unificar a
resistência à Lava Jato num bloco político suprapartidário. Segundo um cândido
mas eufemístico Calheiros, Lula "falou da necessidade de costurarmos a
união nacional".
A
oposição errou ao apresentar um pedido de impeachment fundamentado
precariamente sobre as "pedaladas fiscais" – e mais ainda ao
articular o afastamento de Dilma com Michel Temer, líder de um PMDB consorciado
no "petrolão", e Eduardo Cunha, o homem das contas na Suíça. O
cenário, hoje, é outro. Nas múltiplas evidências recentes do financiamento das
campanhas de Dilma, em 2010 e 2014, por dinheiro oriundo da corrupção
encontram-se motivos suficientes para o impeachment. Contudo, a urgência da
remoção de Dilma decorre da operação criminosa em curso: a transformação do Planalto
na sede de um poder ilegal, consagrado à obstrução da justiça. Impeachment já,
pois o Brasil não é a Venezuela.
Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana,
especialista em política internacional
e autor dos seguintes livros, entre outros:
'Gota de Sangue - História do Pensamento Racial'
e 'O Leviatã Desafiado'.
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