quinta-feira, 17 de março de 2016

CLÓVIS CAMPÊLO

AS HISTÓRIAS DE MONTE SANTO



(Por Clóvis Campêlo) Cinquenta anos depois, volto a assistir ao filme “Deus e o diabo na terra do sol”, do cineasta Glauber Rocha, filmado em branco e preto na cidade baiana de Monte Santo. Algumas coisas deixam-me constrangido: a beleza intensa e bem cuidada de Yoná Magalhães, vivendo a sertaneja Rosa, mulher do protagonista Manuel (Geraldo del Rey), que contrasta com os rostos encovados das mulheres da cidade, que trabalharam no filme como figurantes, e o intenso sentimento de culpa burguês manifestado pelo autor em relação aos dramas e ao destino daquele povo.

Segundo o jornalista João Villaverde, em matéria publicada no Estado de São Paulo em 26 de maio próximo passado, em comemoração aos 50 anos do filme, Glauber escolheu a cidade baiana para cenário da primeira metade das filmagens por conta da longa escadaria de pedra encravada na serra de Santa Cruz, que levava a uma pequena capela no alto do monte. Queria homenagear Sergei Eisenstein, repetindo uma passagem do filme “O encouraçado Potenkim” na cena em que o personagem Antônio das Mortes, vivido por Maurício do Vale) assassina os fieis seguidores do beato Sebastião (interpretado por Lídio Ferreira).

O cenário perfeito da Serra de Santa Cruz, aliás, foi concebido bem antes, em 1775, pelo frade capuchinho Apolônio de Toddi que viu ali uma imensa semelhança com o calvário de Jerusalém. Com a colaboração dos fieis, marcou a serra com os passos da Paixão de Cristo e construiu a capela, rebatizando o lugar com nome de Monte Santo.

Nove anos depois, em 1784, com o cenário do frade capuchinho ainda em construção (só seria concluído em 1790), foi achado no município, pelo menino Bernardino da Mota Botelho, a Pedra do Bendegó, o maior meteorito já encontrado no Brasil e atualmente o 16º maior do mundo. A pedra hoje encontra-se exposta no Museu Nacional do Rio de Janeiro, por obra e graça do imperador D. Pedro II que tomou conhecimento do fato ao visitar a Academia de Ciência de Paris, em 1886, ordenando a sua remoção do interior da Bahia para a metrópole carioca. A monarquia começava a ruir e prenunciava-se a chegada positivista ao país da ordem e do progresso.

Nove anos depois de perder o Bendegó, em 1897, já sob a égide da República do marechal Deodoro da Fonseca, Monte Santo receberia em suas terras as tropas militares lideradas pelo marechal Carlos Machado Bittencourt, que montaram ali a base da empreitada para a derrubada de Antônio Conselheiro, na vizinha cidade de Canudos.

65 anos depois, foi nessas terras repletas de significados e de acontecimentos políticos e históricos, que Glauber Rocha realizou as filmagens da primeira arte do seu filme épico.


Recife, 2013

CLÓVIS CAMPÊLO



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