AS HISTÓRIAS DE MONTE SANTO
(Por Clóvis Campêlo) Cinquenta
anos depois, volto a assistir ao filme “Deus e o diabo na terra do sol”, do
cineasta Glauber Rocha, filmado em branco e preto na cidade baiana de Monte
Santo. Algumas coisas deixam-me constrangido: a beleza intensa e bem cuidada de
Yoná Magalhães, vivendo a sertaneja Rosa, mulher do protagonista Manuel
(Geraldo del Rey), que contrasta com os rostos encovados das mulheres da
cidade, que trabalharam no filme como figurantes, e o intenso sentimento de
culpa burguês manifestado pelo autor em relação aos dramas e ao destino daquele
povo.
Segundo
o jornalista João Villaverde, em matéria publicada no Estado de São Paulo em 26
de maio próximo passado, em comemoração aos 50 anos do filme, Glauber escolheu
a cidade baiana para cenário da primeira metade das filmagens por conta da
longa escadaria de pedra encravada na serra de Santa Cruz, que levava a uma
pequena capela no alto do monte. Queria homenagear Sergei Eisenstein, repetindo
uma passagem do filme “O encouraçado Potenkim” na cena em que o personagem
Antônio das Mortes, vivido por Maurício do Vale) assassina os fieis seguidores
do beato Sebastião (interpretado por Lídio Ferreira).
O
cenário perfeito da Serra de Santa Cruz, aliás, foi concebido bem antes, em
1775, pelo frade capuchinho Apolônio de Toddi que viu ali uma imensa semelhança
com o calvário de Jerusalém. Com a colaboração dos fieis, marcou a serra com os
passos da Paixão de Cristo e construiu a capela, rebatizando o lugar com nome
de Monte Santo.
Nove
anos depois, em 1784, com o cenário do frade capuchinho ainda em construção (só
seria concluído em 1790), foi achado no município, pelo menino Bernardino da
Mota Botelho, a Pedra do Bendegó, o maior meteorito já encontrado no Brasil e
atualmente o 16º maior do mundo. A pedra hoje encontra-se exposta no Museu
Nacional do Rio de Janeiro, por obra e graça do imperador D. Pedro II que tomou
conhecimento do fato ao visitar a Academia de Ciência de Paris, em 1886, ordenando
a sua remoção do interior da Bahia para a metrópole carioca. A monarquia
começava a ruir e prenunciava-se a chegada positivista ao país da ordem e do
progresso.
Nove
anos depois de perder o Bendegó, em 1897, já sob a égide da República do
marechal Deodoro da Fonseca, Monte Santo receberia em suas terras as tropas
militares lideradas pelo marechal Carlos Machado Bittencourt, que montaram ali
a base da empreitada para a derrubada de Antônio Conselheiro, na vizinha cidade
de Canudos.
65
anos depois, foi nessas terras repletas de significados e de acontecimentos
políticos e históricos, que Glauber Rocha realizou as filmagens da primeira arte
do seu filme épico.
Recife,
2013
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