AMAR
Que
pode uma criatura senão,
Entre
criaturas, amar?
Amar
e esquecer, amar e malamar,
Amar,
desamar, amar?
Sempre,
e até de olhos vidrados, amar?
Que
pode, pergunto, o ser amoroso,
Sozinho,
em rotação universal, senão
Rodar
também, e amar?
Amar
o que o mar traz à praia,
O
que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
É
sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar
solenemente as palmas do deserto,
O
que é entrega ou adoração expectante,
E
amar o inóspito, o áspero,
Um
vaso sem flor, um chão de ferro,
E o
peito inerte, e a rua vista em sonho,
E
uma ave de rapina.
Este
o nosso destino: Amor sem conta,
Distribuído
pelas coisas pérfidas ou nulas,
Doação
ilimitada a uma completa ingratidão,
E na
concha vazia do amor à procura medrosa,
Paciente,
de mais e mais amor.
Amar
a nossa falta mesma de amor,
E na
secura nossa, amar a água implícita,
E o
beijo tácito, e a sede infinita.
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)
NA INTERPRETAÇÃO DE PAULO JOSÉ:
VEJAM TAMBÉM "JOSÉ", NA VOZ DE PAULO DINIZ,
QUE COLOCOU MÚSICA NO POEMA
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