sexta-feira, 18 de março de 2016

POLÍTICA/OPINIÃO: JOSIAS DE SOUZA

18.03.2016

ATINGIDA NA CABEÇA,
“JARARACA” SUAVIZA O TIMBRE




 (Por Josias de Souza) Sérgio Moro enviou o inquérito sobre Lula para Brasília. Mas teve o cuidado de acertar a cabeça da Jararaca antes. Ao divulgar os diálogos vulgares em que Lula, fora de si, mostrou o que tem por dentro, o juiz da Lava Jato borrifou na atmosfera o veneno que a víbora lançara à sombra em direção ao STF, ao STJ, ao Congresso e à Procuradoria-Geral da República. A reação foi dura. Tão dura que amoleceu o timbre da cobra criada do PT.

Em carta aberta divulgada na noite desta quinta-feira, Lula —ou o advogado que redigiu o texto em seu nome— expressou sua “contrariedade” em relação à atuação de Sérgio Moro em linguagem mansa e respeitosa. “Justiça, simplesmente justiça, é o que espero, para mim e para todos, na vigência plena do Estado de direito democrático.”

O Lula da carta tomou distância do linguajar viperino do Lula dos grampos. Ou daquele investigado que, conduzido coercitivamente para prestar depoimento em 4 de março, convocou a imprensa para destilar fanfarrices: “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva.''

Moro adotou com a Jararaca a mesma tática do garoto que gostava de puxar o rabo do gato até que o gato lhe deu uma mordida, ensinando-lhe uma lição. Na próxima vez, o garoto deu uma cacetada na cabeça do gato antes de puxar o rabo. Lula deve estar perguntando aos seus botões: o que farão o Judiciário e a turma da Lava Jato na próxima vez?

“Esse insulto ao Poder Judiciário,
além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte dessa Corte Suprema, traduz no presente contexto da profunda crise moral que envolve altos escalões da República” – ministro Celso de Mello, decano do STF

Num dos trechos mais tóxicos da escuta que Moro mandou divulgar a pedido dos procuradores de Curitiba, Lula dissera para Dilma, no mesmo fatídico 4 de março: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado. […] Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido. Não sei quantos parlamentares ameaçados. E fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e vai todo mundo se salvar. Sinceramente, eu tô assustado com a República de Curitiba.”

Se a nomeação de Lula para a Casa Civil ficar em pé, ele será julgado pelo STF. O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, cuidou de dar-lhe as boas vindas ao responder à provocação em nome dos colegas, todos incomodados com a qualificação de covardes.

“Esse insulto ao Poder Judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte dessa Corte Suprema, traduz no presente contexto da profunda crise moral que envolve altos escalões da República, uma reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes, que não conseguem esconder, até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável, o temor pela prevalência do império da lei e receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes”.

No STJ, a reação coube ao ministro João Otavio de Noronha. “Esta Casa não é uma Casa de covardes. É uma casa de juízes íntegros, que não recebe doação de empreiteiras. É estarrecedor a ironia, o cinismo dos que cometem o delito e querem se esconder atrás de falsa alegada violação de direitos. Não se nega os fatos e porque não tem como negar o que está gravado. A atitude do juiz Moro, gostem ou não, certa ou errada, revelou a podridão que se esconde atrás do poder. Se alguns caciques do judiciário se incomodam ou invejam, lamento.”

Na Câmara, o “fodido” Eduardo Cunha colocou para andar o pedido de impeachment. Posicionou soldados de sua infantaria pessoal na presidência e na relatoria da comissão que cuidará do tema antes que ele chegue ao plenário.

“Esta Casa não é uma Casa de covardes.
É uma casa de juízes íntegros,
que não recebe doação de empreiteiras” –
ministro João Otávio Noronha, do STJ

Tido como heroi da resistência governista no Senado, o também “fodido” Renan Calheiros não deu as caras na cerimônia de posse de Lula. Declarou: “Eu acho que qualquer comentário […] que desmereça as instituições ou colabore com o enfraquecimento das instituições não é bom para a democracia.”

Se prevalecer o foro privilegiado que Dilma providenciou para seu criador, quem fará o papel de acusador de Lula no Supremo é o procurador-geral da República Rodrigo Janot. Que Lula considera um ingrato: “…Ele recusou quatro pedidos de investigação ao Aécio e aceitou a primeira de um bandido do Acre contra mim. […] Essa é a gratidão. Essa é a gratidão dele por ele ser procurador…”

“Não sei que ingratidão é essa”, estranhou Janot, em entrevista concedida na Suíça. “O que eu posso dizer é que eu entrei no meu cargo por concurso público, tenho 32 anos de carreira, percorri toda a minha carreira, estou em final de carreira e se eu devo algo a alguém, esse meu cargo, é a minha família.”

Há dois dias, Lula era celebrado por auxiliares de Dilma e dirigentes do PT como o personagem que tiraria o governo do caos. Conseguiu. Com a ajuda de Moro, Lula levou a administração petista para o brejo. Deslizando sobre terreno movediço, a Jararaca está em apuros.

Já empossada, a víbora aguarda o desfecho da batalha judicial que sua nomeação causou para saber se poderá ou não ocupar a Casa Civil da Presidência. Se tudo der certo, será submetido ao crivo de um procurador que não lhe deve nada e de magistrados ávidos por demonstrar sua coragem funcional. Se der errado, volta para os braços de Sérgio Moro, na “República de Curitiba”.


Em qualquer hipótese, cresceram muito as chances de a Jararaca levar novas cacetadas na cabeça. (Fonte: UOL)


http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/
Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na “Folha de S. Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro “A História Real” (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de “Os Papéis Secretos do Exército''.



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