A POSSIBILIDADE DE DILMA ENCONTRAR UM RUMO É ZERO |
13.03.2016
O ZUMBI E A CRISE
(Por Rolf Kuntz) Se
der tudo certo, a economia brasileira vai encolher 6,69% na metade inicial do
segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Será a primeira sequência de dois
anos de recessão desde a crise dos anos 30 do século passado, como lembrou o
ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, repetindo comentário de um analista. “Tudo
certo”, nesse caso, refere-se à projeção mais otimista: uma contração de 3% a
partir da base rebaixada pelo desastre de 2015, quando o produto interno bruto
(PIB) diminuiu 3,8%, segundo a primeira estimativa oficial. Em outras bolas de
cristal o resultado previsto para este ano fica entre – 3,5% e – 4%. Mas a
devastação econômica é apenas a parte mais vistosa da obra de dona Dilma. Em
princípio, qualquer governo pode provocar uma recessão se cometer um grande
erro ou uma sequência de equívocos menores, mas bem escolhidos. A façanha da
presidente brasileira – de fato, iniciada por seu antecessor e por ela
completada – é muito mais espetacular e raramente registrada na História.
Sem
bomba, sem sangue e sem arroubos dramáticos, ela foi muito além do anarquismo
tradicional, irrealista e fracassado, e terminou o desmonte do governo por
dentro. Não do governo de um país minúsculo ou de um Estado corroído pela
guerra interna, mas de uma das dez maiores economias do mundo. Mais que isso:
em vez do Estado mínimo, sonho radical do neoliberalismo, produziu o governo
mínimo, ou, com um pouco mais de precisão, tendente a zero. O Estado sobrevive,
como indica a firmeza da Operação Lava Jato, mas com danos consideráveis.
“Sem
uma presidente com força e convicção para sustentá-lo,
e
sem um verdadeiro governo engajado em sua política,
o
ministro da Fazenda é forçado a se entender com a cúpula petista”
Sem
apoio do próprio partido, incapaz de se entender com a base parlamentar e sem
propostas claras para consertar a economia, esse governo zumbi nem mesmo
consegue definir um rumo para suas ações. Pouco depois da reeleição, no fim de
2014, a presidente Dilma Rousseff procurou um nome com prestígio no mercado
para comandar, na Fazenda, um programa de estabilização. Teria de ser um gestor
preparado para fazer o papel de durão e promover os ajustes mais penosos. No
ano seguinte ela mesma torpedeou essa política, prestigiando as opiniões do
então ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, um dos pais da fracassada – e
desastrosa – “nova matriz macroeconômica”.
Transplantado
para o Ministério da Fazenda, Barbosa acabou assumindo, sem muito jeito, o
discurso do ajuste e das mudanças estruturais. Mas sua proposta para a política
orçamentária abriu espaço para um déficit primário (sem a conta de juros) de
até R$ 60,2 bilhões, ou 0,97% do PIB estimado para o ano. Formalmente o governo
ainda está comprometido com um superávit primário de cerca de R$ 24 bilhões,
mas ninguém leva isso a sério.
“Mas
a devastação econômica é apenas a parte mais vistosa
da
obra de dona Dilma”
Nada
se espera, por enquanto, da possível agenda de reformas, exceto uma proposta,
ainda pouco clara, de reforma da Previdência. O PT opõe-se a qualquer ideia de
austeridade – embora nenhum sinal de política austera tenha surgido até agora –
e prefere adiar a proposta de alteração do regime previdenciário. Defende, além
disso, o uso de reservas cambiais para ações de estímulo ao crescimento, uma
irresponsabilidade já contestada também pelo ministro Barbosa.
Nesta
altura, até o complacente gradualismo defendido pelo ministro da Fazenda parece
uma ortodoxia digna da tradição de Chicago, quando comparada com as alucinações
do programa petista.
Sem
uma presidente com força e convicção para sustentá-lo, e sem um verdadeiro
governo engajado em sua política, o ministro é forçado a se entender com a
cúpula petista. Seu comparecimento ao seminário organizado pelo Instituto Lula,
na quinta-feira, nada mais foi do que uma prestação de contas ao partido e uma
tentativa de obter as bênçãos dos caciques petistas. Nenhum dos chefões se
comprometeu com o ministro. Sua posição no governo zumbi se torna dia a dia
mais parecida com a de seu antecessor e ele deve ter consciência desse fato.
“Loteamento,
apadrinhamento, inchaço, gastança irresponsável, prioridade a interesses
partidários, distribuição de favores fiscais e financeiros e desprezo ao
profissionalismo e à competência
devastaram o governo e a economia”
Novos
estímulos de curto prazo serão insuficientes para a retomada do crescimento,
sem ações de maior alcance, havia dito o ministro em Brasília, antes do
seminário petista. Mas o governo pouco tem feito além de propor medidas de
efeito limitado e, mais que isso, muito duvidoso, como o aumento do crédito
fornecido por bancos oficiais. É preciso um mínimo de confiança para ir atrás
de novo financiamento. Essa confiança inexiste, até porque fica mais difícil, a
cada dia, enxergar através da névoa criada pela combinação das crises política
e econômica.
Quanto
à agenda de reformas, nem sequer foi esboçada com um mínimo de clareza.
Qualquer pessoa pode incluir nessa pauta a mudança da Previdência, a revisão
tributária, a desburocratização e a desvinculação de verbas orçamentárias. Mas
nem sobre esses tópicos há acordo entre os ministros e entre o governo e sua
base. Além disso, onde estão as propostas claras e razoavelmente formuladas?
Onde está, por exemplo, o projeto de um sistema tributário compatível com a busca
da eficiência e da competitividade?
Loteamento,
apadrinhamento, inchaço, gastança irresponsável, prioridade a interesses
partidários, distribuição de favores fiscais e financeiros e desprezo ao
profissionalismo e à competência devastaram o governo e a economia. Não se
chegou de um dia para outro a um déficit público nominal equivalente a 10% do
PIB, um dos maiores do mundo, nem ao atoleiro da estagflação. Não só o governo
foi devastado. Também a máquina do Estado foi severamente danificada, como
comprovam as descobertas da Operação Lava Jato e poderão comprovar
investigações em outra áreas.
Qualquer
governo, em outro país, precisaria de muito esforço, muita negociação, muita
competência e muita força política para resgatar a economia de um atoleiro
parecido com a estagflação brasileira. No Brasil o desafio é muito maior: como
recompor e reanimar o sistema produtivo quando só se dispõe de um governo
zumbi? (Fonte: O Estado de
S.Paulo)
ROLF KUNTZ É JORNALISTA |
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