O DIA QUE BEBI COM JÂNIO
PARTE 4 (FINAL): A GRANDE RESSACA E O GOLPE ABAIXO DA LINHA DA CINTURA
Meu erro foi o sexto copo, expliquei ao ouvir o humilhante “Eu não
disse?” dito por Jomar Moraes na subida da Anchieta. Nunca a estrada de Santos
teve tantas curvas. Lembrava que tinha capitulado na metade do copo. Jânio deu
mais um gole. Lembrava vagamente que me despedi de Jânio e Gastone com voz
pastosa e caminhei para o fusca com a dignidade possível. Para minha sorte,
dona Eloá estava refugiada na cozinha.
─ Sexto ou sétimo copo, tanto faz ─ desdenhou Jomar. ─ Teu erro foi
encarar a fera.
O sorriso superior de Pedrão avalizou o parecer. Eu só queria que a
Serra do Mar parasse de girar ao meu redor, chegar em casa o quanto antes e
dormir. No dia seguinte, ainda convalescendo da bebedeira, fui para prédio da
Abril na Marginal do Tietê. José Roberto Guzzo, diretor de redação, estava fora
naquela semana. Entrei na sala do diretor-adjunto Elio Gaspari tentando
disfarçar a ressaca. Ele quis saber se tinha assunto para uma reportagem de
capa. Tinha de sobra, respondi. E soltei o comentário como quem não quer nada.
─ O que o homem está bebendo é uma grandeza.
─ É mesmo? ─ Gaspari ficou curioso.
Contei o que Jânio tinha bebido, ele não acreditou. Sugeri que
conferisse com Jomar. Achei irrelevante falar sobre os tragos que tomei.
Jornalista não é notícia, tinha ouvido várias vezes na redação. Gaspari resumiu
num trecho da Carta ao Leitor a performance do campeão: 20 latas de cerveja, 6
copos de caipirinha e 11 cálices (dos grandes) de vinho do Porto. A reportagem
ficou boa. A Carta ao Leitor repercutiu ainda mais. Fiquei sabendo que Jânio se
irritou. Eu me senti vingado.
Quero ver como ele vai se virar na quarta-feira, pensei. Era o dia do
programa que tinha na Record, onde falava o que queria. Vai ter de comentar o
que a Veja publicou, calculei. Foi o que Jânio fez no primeiro minuto do
primeiro bloco. Com um exemplar da revista na mão, queixou-se de que fora
vítima de jornalistas irresponsáveis. E entrou na questão alcoólica disposto a
golpear abaixo da linha da cintura.
─ Di-zem-que-be-bi! — escandiu as sílabas. Pois não bebi, até por
prescrição médica! Quem bebeu foram os jornalistas!
Fiquei espantado. Não é possível que ele estivesse desmentindo o desempenho admirável. Pois fez pior. Abriu a revista na página da Carta ao Leitor, a câmera fechou a lente, Jânio pôs o dedo indicador na foto e desfechou o golpe de misericórdia:
Fiquei espantado. Não é possível que ele estivesse desmentindo o desempenho admirável. Pois fez pior. Abriu a revista na página da Carta ao Leitor, a câmera fechou a lente, Jânio pôs o dedo indicador na foto e desfechou o golpe de misericórdia:
─ Vejam isto! Vejam quem está bebendo!
Para sorte de Jânio e para meu infortúnio, a foto que ilustrava a página
era uma das que Pedro Martinelli fizera quando dona Eloá acabou de confiscar a
garrafa de vinho e Gastone ainda não fora buscá-la. O cálice estava atrás do
Lincoln do busto. Só aparecia o copo de uísque, circundado em vermelho pelo
artista.
─ Aqui está o senhor jornalista com seu copo ─ bateu nas partes baixas.
─ Cadê a minha bebida?
Foi o segundo nocaute consecutivo. Perdi feio. Mas fui derrotado por um
campeão. (14/08/2010)
AUGUSTO NUNES
Augusto
Nunes (Taquaritinga, 25 de setembro de 1949) é jornalista brasileiro.
Em
1971, ingressou nos Diários Associados como revisor. No ano seguinte, foi
contratado como repórter no jornal O
Estado de S. Paulo. Em 1973, Augusto foi para a revista Veja, onde permaneceu até 1986, quando
assumiu a mediação do programa Roda
Vida. Também dirigiu as revistas Veja,
Época e Forbes (edição brasileira) e os jornais O Estado de S. Paulo, Jornal
do Brasil e Zero Hora. Nunes
venceu quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo e foi incluído numa seleção dos
seis mais importantes jornalistas do Brasil, feita pela Fundação Getúlio
Vargas. Atualmente, Augusto Nunes mantém uma coluna na revista Veja. Em agosto de 2013, voltou a ser
mediador do programa Roda Viva, da TV Cultura. (Fonte:
Wikipédia)
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