Pernambucano, Ascenso
Ferreira (1895-1965) foi poeta e folclorista. Sua poesia é considerada um dos
marcos do Modernismo brasileiro. Suas obras: Catimbó, 1927; Cana Caiana, 1939; Xenhenhém,
1951; Poemas, 1951 (reunindo os três livros); O Maracatu, 1986, póstuma; Presépios
e pastoris, 1986, póstuma; Bumba Meu Boi, 1986, póstuma.
(Por Luiz Felipe Pondé) Você sabe o que é um canalha honesto? Um canalha honesto é alguém
que diz para você que as reuniões na casa dele para discutir filosofia é para
pegar mulher. Ou que aprendeu a cozinhar para pegar mulher. Um canalha
desonesto é um canalha que diz que de fato a filosofia é importante para ele ou
que cozinhar o faz se sentir mais autônomo na vida.
A arte da desonestidade na canalhice pode ir longe ao ponto de você
dizer que é de fato feminista, e não que ser feminista num homem pode ajudá-lo
a pegar mulher – o que eu, pessoalmente, duvido que tenha sucesso de fato.
O personagem Palhares, do Nelson Rodrigues, era o canalha honesto.
Era marxista para pegar mulher, depois se converteu à psicanálise, ao nudismo,
à maconha, a Jesus. E Nelson dizia que um dia haveríamos de ter saudade do
Palhares. Mais uma vez nosso sábio acertou em sua previsão. Segundo Nelson, nem
a canalhice estaria a salvo da má-fé que se instalaria no seio da cultura
ocidental.
Pois bem, e aí chegamos a uma conversa que tive há alguns dias sobre
essa canalhice desonesta chamada poliamor. O primeiro traço de canalhice
desonesta é quando o agente da ação diz que faz X porque ele evoluiu para tal.
No caso do poliamor, para uma forma de amor coletivo e sem ciúmes. Toda pessoa
que se diz segura é um canalha desonesto. Como se sabe, toda virtude verdadeira
é silenciosa.
Em nossa conversa, o poliamor era apresentado como uma condição em
que você pode dividir pessoas amorosamente e sexualmente com outras pessoas e
tudo bem.
Veja bem: sempre existiu gente que gosta de sacanagem coletiva.
Entendo que um canalha honesto tente convencer a namorada ou mulher a aceitar
que uma colega da faculdade ou do trabalho venha passar um final de semana em
Gonçalves com eles. E, que, em dado momento, tente fazer com que as duas se
peguem. Um sonho clássico de consumo de canalhas honestos (ou, simplesmente, de
homens honestos) é ver duas minas se pegando.
Entendo também que mulheres honestas fantasiem com dois caras
comendo elas ao mesmo tempo. A canalhice honesta é uma arte moral acessível
somente para almas sinceras.
INTERNET: PONDÉ
Uma comparação comum que se faz com o poliamor é com a prática do
harém. Ao ouvir essa comparação outro dia, subiu à minha alma uma grande
indignação!
Eu disse de forma veemente: "Pare por aí! Num harém, as
mulheres competiam e se matavam. Matavam os filhos homens umas das outras, com
medo de que uma delas se tornasse muito poderosa por ter dado um filho varão
para o Sultão. Era um inferno de traições". Inclusive se comiam umas as
outras por desespero e solidão confessa (coisa hoje que muita gente não ousa
confessar que seja o motor de muita mulher comendo umas as outras, em todas as
idades).
Tomado por indignação e pela certeza de que, ao compararmos o
poliamor com um harém, faltamos com respeito para com todas aquelas mulheres,
muitas vezes infelizes (uma das maiores cretinices de nossa época é a falta de
respeito para com a infelicidade), continuei de forma apaixonada: "Aquelas
mulheres competiam e se matavam, por isso mesmo eram gente séria e digna! Merecem
nosso respeito!".
Imagino que muita gente ao me ouvir dizer isso não me entenda
plenamente. Como assim, gente que compete e se mata é gente digna e merece
nosso respeito?
A vida digna é imersa em sangue, beleza e sofrimento. O maior engano
contemporâneo com relação a qualquer forma verdadeira de ética e virtude é algo
que os antigos (gente muito mais séria do que nós) sempre souberam, incluindo
Aristóteles em sua filosofia das virtudes conhecida como "Ética a
Nicômaco": a virtude só nasce num terreno que lhe é hostil. Qualquer outra
afirmação sobre virtude é falsa.
A honestidade do canalha Palhares do Nelson nasceu no momento em que
ele confessou que agarrou a cunhada mais jovem na saída do banheiro por puro
desespero: a beleza dela era maior do que qualquer risco de ser pego no meio do
crime.
A desonestidade do poliamor nasce da sua demanda de garantia de não
sofrimento. Um harém era um lugar de agonia, e virtudes são filhas da agonia.
Luiz Felipe
Pondé (1959, Recife) – filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em
epistemologia pela Universidade de Tel Aviv – discute temas como comportamento,
religião, ciência. É colunista da Folha de S. Paulo
O PMDB demonstrou que um raio cai duas vezes no
mesmo lugar. Pela segunda vez em três décadas, o partido chega à Presidência da
República sem passar pela pia batismal das urnas. Em 1985, prevaleceu com
Tancredo Neves na eleição indireta do Colégio Eleitoral. Decorridos 31 anos,
vai ao trono com Michel Temer graças à vontade dos senadores que decidiram
encurtar o mandato de Dilma Rousseff.
No caso de Tancredo, o vento da rua soprava a
favor. Frustradas com a rejeição da emenda das Diretas Já, as multidões
avalizavam o representante do PMDB como a melhor alternativa para livrar o país
da ditadura. Mal comparando, Temer está mais para José Sarney, o vice que
herdou o Planalto depois da morte de Tancredo. Assim como Sarney, Temer não
viraria chefe do Executivo se dependesse do voto.
Temer chegou à Câmara em 1987. Mas só se elegeu
com suas próprias pernas em 1995. Nas duas eleições anteriores –1986 e 1990—
seus votos só lhe renderam a suplência. Foi a Brasília porque os titulares
deixaram os cargos. Em 2006, ano de sua última eleição para deputado, Temer
amealhou cerca de 99 mil votos. Voltou à Câmara graças ao socorro do chamado
quociente eleitoral, índice que contabiliza sobras das urnas da coligação
partidária.
Temer expressa-se em português requintado —com
mesóclises e sem nomes feios. Tem uma dificuldade quase fonoaudiológica de
elevar a voz. É lhano nos modos e cerimonioso no trato. Cavalgando essas
características, chega à Presidência como líder partidário, não como líder
popular. Presidiu a Câmara três vezes. Tem trânsito fácil em todas as legendas.
Possui densidade política, não eleitoral.
Na certidão de nascimento, o PMDB era apenas
MDB. Veio à luz em 1966, quando o governo militar decidiu dissolver a penca de
partidos e autorizar o funcionamento de apenas dois —um a favor e outro contra.
Em 50 anos de existência, a legenda disputou a Presidência da República em
eleições diretas apenas duas vezes.
Numa, em 1989, Ulysses Guimarães amealhou
irrisórios 4,7% dos votos válidos. Noutra, em 1994, Orestes Quércia arrebanhou
ínfimos 4,4%. Desde então, o PMDB é prisioneiro de um paradoxo: maior partido
do país, optara por ser subalterno. Há mais de duas décadas que não lança um
candidato à Presidência da República. Virou sócio minoritário de presidências
do PSDB e do PT.
No início do seu segundo mandato, Dilma
encantou-se com um conselho do petista Aloizio Mercadante. Encomendou a dois
ministros —Gilberto Kassab (Cidades) e Cid Gomes (Educação)— a costura de uma
nova maioria congressual que não fosse tão dependente do PMDB. E instigou o
deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) a disputar o comando da Câmara com Eduardo
Cunha (PMDB-RJ). Deu no que deu.
JOSIAS DE SOUZA É JORNALISTA
Especializada numa modalidade pessoal de
esporte, o tiro ao pé, Dilma inaugurou um novo sistema de governo: o
presidencialismo sem presidente. Como poder vazio é algo que não existe,
Eduardo Cunha ocupou os espaços. E a pupila de Lula foi apresentada a uma
fatalidade histórica: no Brasil pós-redemocratização, sempre que um presidente
achou que poderia engolir o PMDB, foi mastigado.
Quando joga a favor, a legenda fornece
estabilidade congressual. Contra, vira uma força desestabilizadora. Temer virou
presidente interino. Mercadante foi ao olho da rua. Kassab traiu Dilma,
demitiu-se do ministério, jogou o seu PSD na trincheira do impeachment e voltou
à Esplanada sob Temer. Cid Gomes virou pó bem antes, em março de 2015, numa
queda de braço com Eduardo Cunha.
Lula tentou pacificar o PMDB. Mas Mercadante
dinamitou a iniciativa. Aconselhada por seu padrinho politico, Dilma
terceirizou a coordenação política do seu governo a Temer. Entretanto,
esquerceu de retirar Mercadante do caminho do vice (ou lembrou de mantê-lo como
estorvo). Temer deu por encerrada sua missão, endereçou uma carta desaforada a
Dilma e trancou-se em seus rancores.
“…Sei que a senhora não tem confiança em mim e
no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”,
anotou Temer em sua carta. Escrita em dezembro de 2015, essa carta funcionou
como um spray de gasolina na fogueira do impedimento. Em oito meses, o PMDB
triturou a presidência de Dilma. É golpe, gritam o PT e seus súditos. É o
remédio constitucional, respondem Temer e Cia..
Quinze anos depois de eu ter criado a palavra
“petralha” para designar as práticas dos petistas em Santo André, lá se vão
eles. Morrem com retrato e com bilhete, mas sem luar, sem violão. Sei muito bem
o peso de enfrentá-los ao longo dos anos. Hoje é fácil. Felizmente, os grupos
de oposição ao petralhismo se multiplicaram. E ninguém corre o risco de morrer
de solidão por enfrentar a turma. Alguns o fazem até por oportunismo. Outros
ainda porque farejam uma oportunidade de negócios. O tempo que depure as
sinceridades, as vocações, as convicções. Não serei eu o juiz.
Sinto-me intelectualmente recompensado. A razão
é simples. Desses 15 anos de combate, 10 estão no arquivo deste blog, vejam aí.
Houve até um tempo em que um blogueiro petista sugeriu à grande imprensa que
tentasse investigar quem eram e como viviam os leitores desta página. Afinal,
integrávamos o grupo, dizia ele, dos apenas 6% que achavam o governo Lula ruim
ou péssimo. E é claro que os companheiros tentaram transformar a repulsa
ideológica ao partido num crime.
A recompensa intelectual não se confunde, nesse
caso, com vaidade. A minha satisfação não decorre de ter antevisto a queda dos
brutos. Isso seria fácil. Em algum momento, claro!, eles cairiam, ainda que
fosse pelas urnas. O meu conforto deriva do fato de que, então, eu não via
fantasmas quando apontava a máquina formidável de assalto ao Estado que se
havia criado. Ela se destinava não só a enriquecer alguns canalhas como a
assaltar as instituições.
AMARILDO ENGANARAM MUITA GENTE POR MUITO TEMPO
Ah, quantas vezes tive de ouvir que eu
exagerava! Ah, quantas vezes tive de ouvir que a palavra “petralha” designava,
na verdade, um preconceito! Ah, quantas vezes tive de ouvir que eu
criminalizava no PT o que considerava normal e corriqueiro nos outros partidos!
Ah, quantas vezes tive de ouvir que eu estava a serviço do tucanato! Essa
última acusação, diga-se, em tempos mais recentes, também ganhou as hostes da
extrema direita caquética, que precisava que o PT fosse um monstro invencível
para que sua ladainha impotente e escatológica continuasse a se alimentar da
paranoia dos tolos.
E, no entanto, as coisas estão aí. Os petralhas
foram derrotados por sua alma… petralha! Porque a maioria dos brasileiros pôde,
afinal, enxergá-los como eles de fato são.
Não! A palavra “petralha” nunca designou apenas
uma caricatura a serviço do embate ideológico. Os petistas adorariam que assim
fosse. A máquina de propaganda esquerdista tentou até criar o contraponto à
direita, que seriam os “coxinhas”. Mas foram malsucedidos no intento. Porque,
afinal, de um coxinha, pode-se dizer o diabo. Mas uma coisa é certa: coxinha,
em nenhuma de suas acepções, virou sinônimo de ladrão. Marilena Chaui, aquela,
pode achar um coxinha reacionário, preconceituoso, abominável… Mas não tenho a
menor dúvida de que ela confiaria sua carteira a um coxinha e jamais a deixaria
à mercê de um de seus pupilos petralhas.
José Eduardo Cardozo e os demais petistas se
zangam quando se diz que Dilma caiu pelo “conjunto da obra”. No seu
entendimento perturbado do mundo, entendem que se está admitindo que ela não
cometeu crime de responsabilidade. Trata-se, obviamente, de uma mentira. Sim, o
crime foi cometido, mas é fato que ele não teria sido condição suficiente,
embora necessária, para a deposição. Foi, sim, o jeito petralha de governar que
derrubou a governanta, aliado a uma brutal crise econômica, derivada, diga-se,
desse mesmo petralhismo: não fosse a determinação de jamais largar o osso, a
então mandatária teria tomado medidas para evitar o abismo. Ocorre que ela não
devia satisfações ao Brasil, mas ao projeto de poder, tornado realização, que
havia se assenhoreado do Estado e que vivia de assaltá-lo.
A resistência venceu. Ao longo dos anos de
contínua depredação da verdade e da lógica, soubemos manter as nossas
instituições e reagimos com a devida presteza todas as vezes em que eles
tentaram mudar os códigos do regime democrático. Não estão mortos. Não estão
acabados. Estão severamente avariados, e cumpre aos defensores da democracia
que sua obra seja sempre lembrada como um sinal de advertência. Até porque, a
exemplo de todas as tentações totalitárias, também a petista tem seus ditos
intelectuais, seus pensadores, seus… cineastas. As candidatas a Leni
Riefenstahl do petismo, sem o mesmo talento maldito da original, não
conseguiram fazer a epopeia do triunfo; então se preparam agora para fazer o
réquiem, na esperança de que o ressentimento venha a alimentar o renascimento.
Vem muita coisa por aí. Não completamos nem o
primeiro passo da necessária despetização do Estado. O trabalho será longo, vai
durar muitos anos. Não temos como banir os petralhas da política, mas é um
dever civilizacional combater suas ideias, enfrentá-los, resistir a suas
investidas — e pouco importa o nome que tenham.
Publiquei “O País dos Petralhas I”.
Publiquei “O País dos Petralhas II”.
Anuncio aqui, para breve, fechando o ciclo, o
livro “Petralhas Go”.
(Por
Augusto Nunes) No
discurso que leu no Senado, Dilma Rousseff jurou que foi por amor à democracia
que virou guerrilheira e empunhou uma metralhadora para trocar a ditadura
militar pela ditadura comunista. Linhas adiante, cumprimentou-se efusivamente
pelo combate à corrupção movido pela presidente cujo governo estabeleceu na
categoria ladroagem, graças às propinas assombrosas do Petrolão, o recorde
mundial de matar de inveja um Usain Bolt.
Nas respostas a perguntas formuladas pelos
senadores, a presidente agonizante louvou várias vezes a Lei de
Responsabilidade Fiscal, aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso apesar
da feroz oposição da bancada do PT ─ e sucessivamente atropelada pela própria
depoente com pilantragens numéricas ocultas por codinomes como “contabilidade
criativa” ou “pedalada”.
Sem ficar ruborizada, a pior governante de
todos os tempos também afirmou que a consumação do impeachment colocaria em
risco “as conquistas de 1988″, referindo-se à Constituição que Lula e seus
devotos no Congresso se recusaram a assinar. O cortejo de tapeações mereceria
nota 10 em safadeza se Dilma tivesse pedido uma salva de palmas para o Plano
Real.
Lupicínio Rodrigues nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em um
bairro pobre da cidade, a Ilhota, no dia 16 de setembro de 1914. Chovia tanto
que o córrego próximo da sua casa inundou, obrigando a parteira a chegar lá de
barco. Seus pais, Francisco e Abigail, tiveram 21 filhos - e Lupicínio foi o
quarto.
Francisco era funcionário público e mandou Lupicínio para a escola logo aos
cinco anos de idade. Dizem que o menino se distraía muito cantando na sala de
aula e que, por essa razão, teve de parar os estudos, para retomá-los dois anos
mais tarde. Enquanto cursava o primário e o ginasial (correspondentes ao atual
primeiro grau), trabalhou como aprendiz de mecânico.
Aos catorze anos, ele compôs sua primeira música, "Carnaval", para um cordão chamado Prediletos.
Precocemente, já frequentava a boemia e suas amigas inseparáveis: as bebidas e
as serenatas. O pai não gostou e o obrigou a se alistar no Exército, aos quinze
anos, como "voluntário".
Em 1933, ele foi transferido para Santa Maria, cidade do interior do
estado, e promovido a cabo. Lá, conheceu Iná, que se tornaria uma grande musa
inspiradora de sua obra. A relação chegou ao noivado, durando cinco anos, mas
acabou porque a família da moça não aceitou a vida boêmia que Lupicínio levava.
Lupi, como era chamado pelos amigos, continuou cantando e compondo. Como
cantor, sua maior influência era Mário Reis. E, como compositor, Noel Rosa, que
ele chegou a conhecer em 1932. "Esse garoto vai longe", disse Noel,
depois de ouvir Lupicínio cantar.
Em 1935, Lupicínio Rodrigues deu baixa do Exército e voltou para Porto Alegre,
onde foi trabalhar como bedel na Faculdade de Direito. No mesmo ano, venceu um
concurso musical da prefeitura, em comemoração ao centenário da Revolução
Farroupilha, com a canção "Triste história", uma parceria com Alcides
Gonçalves, que a gravou em 1936, junto com "Pergunte aos meus
tamancos", outro samba da dupla.
O sucesso
A consagração veio em 1938, com "Se acaso você chegasse", que
revelou também a voz de Ciro Monteiro. O samba estabeleceu a parceria com o
compositor e pianista Felisberto Martins. Como ele morava no Rio e trabalhava
em gravadora (tornou-se diretor da Odeon), Lupicínio Rodrigues o incumbiu de
divulgar músicas suas em troca de parceria.
Lupicínio jamais deixou Porto Alegre. Somente por alguns meses, em 1939, viveu
no Rio. Cantou, então, para Francisco Alves, que passou a gravá-lo e tornou-se
um dos seus principais intérpretes. O chamado Rei da Voz transformou em
sucessos "Nervos de aço", em 1947, "Esses moços" e
"Quem há de dizer", em 1948, e "Cadeira vazia", em 1950.
Para o cantor Orlando Silva, Lupicínio deu, em 1947, as canções
"Brasa" e "Zé Ponte". Nesse mesmo ano, Lupi obteve projeção
nacional com "Felicidade", na gravação do conjunto Quitandinha
Serenaders. Em 1949, Lupicínio se casou com a gaúcha Cerenita Quevedo Azevedo.
No fim da década de 1940, o compositor abriu uma churrascaria, o primeiro de
uma série de bares e restaurantes com música ao vivo que ele viria a ter - uma
forma de reunir o trabalho com o que ele mais amava: a boemia.
No início da década de 1950 sua obra ganhou uma importante intérprete: a
paulista Linda Batista. Em 1951, ela estourou com o samba-canção
"Vingança", talvez o maior sucesso do compositor. No ano seguinte,
Lupicínio Rodrigues gravou seu primeiro álbum como cantor: "Roteiro de um
boêmio". E, em 1959, compôs o hino oficial do Grêmio Futebol Porto-alegrense.
No mesmo ano, a canção "Ela disse-me assim" inaugurou com sucesso a
série de gravações que Jamelão faria das músicas de Lupi.
Em 1960, uma regravação que Elza Soares fez de "Se Acaso Você
Chegasse" transformou a música em um sucesso novamente. Nos anos
seguintes, porém, o nome de Lupicínio caiu no esquecimento.
De tempos em tempos, contudo, Lupicínio Rodrigues é cantado, gravado ou
homenageado. Em duas dessas vezes, na década de 1980, a regravação de suas
músicas alcançou grande popularidade: "Nunca", na voz de Zizi Possi,
e "Loucura", com Maria Bethânia. Entre os intérpretes que fizeram
releituras de canções suas na década de 1990 estão Arnaldo Antunes e Adriana
Calcanhoto.
O banal sem
banalidade
Lupicínio é um dos compositores mais
originais da música popular brasileira. Além das inúmeras qualidades do seu
trabalho, ele se destacou como o criador da "dor-de-cotovelo". A
expressão, graças a ele, passou a designar um estilo de canção que trata das
desventuras amorosas, um tema sobre o qual Lupicínio foi um criador imbatível.
"Suas músicas podem lidar com o banal, mas não são banais", escreveu
o poeta Augusto de Campos sobre ele. De fato, poucos foram capazes de tanta
imprevisibilidade no âmbito da poesia da nossa música popular. De tanta força,
fluência, precisão e contundência nos versos. "Eu não sei se o que trago
no peito/ É ciúme, despeito, amizade ou horror;/ Eu só sei é que quando eu a
vejo,/ Me dá um desejo de morte ou de dor": é o que diz Lupicínio num de
seus sambas mais famosos, "Nervos de aço".
Imagens surpreendentes, verdadeiros achados, podem ser encontrados também em
várias outras canções de sua autoria, que formam um dos conjuntos mais
expressivos da música popular brasileira.
Em 1995, o filho de Lupicínio, Lupicínio Rodrigues Filho, organizou o livro
"Foi Assim" (Editora L&PM), com uma seleção das crônicas
publicadas por seu pai no jornal "Última Hora", de Porto Alegre, em
1962 e 1963. Na maior parte desses textos, o compositor conta a história das
suas músicas: "Eu tenho sofrido muito nas mãos das mulheres, porque sou
muito sentimental, mas também tenho ganhado fortunas com o que elas me
fazem...", revelou ele numa das crônicas.
Dizem que, para compor, Lupi não usava nem o violão. Criava de maneira
peculiar, assoviando. Assim, ergueu uma obra de cerca de uma centena e meia de
canções gravadas. Fazia questão de dizer que todos os casos de amor que cantou
foram verdade: "A minha vida". Lupicínio Rodrigues faleceu em Porto
Alegre, RS, em 27 de agosto de 1974, aos 59 anos, com problemas no coração.