OLHOS DE RESSACA
Geraldo Carneiro
minha
deusa negra quando anoitece
desce
as escadas do apartamento
e
procura a estátua no centro da praça
onde
faz o ponto provisoriamente
eu
fico na cama pensando na vida
e
quando me canso abro a janela
enxergando
o porto e suas luzes foscas
o
meu coração se queixa amargamente
penso
na morena do andar de baixo
e
no meu destino cego, sufocado
nesse
edifício sórdido & sombrio
sempre
mal e mal vivendo de favores
e
a minha deusa corre os esgotos
essa
rede obscura sob as cidades
desde
que a noite é noite e o mundo é mundo
senhora
das águas dos encanamentos
eu
escuto o samba mais dolente & negro
e
a luz difusa que vem do inferninho
no
primeiro andar do prédio condenado
brilha
nos meus tristes olhos de ressaca
e
a minha deusa, a pantera do catre
consagrada
à fome e à fertilidade
bebe
o suor de um marinheiro turco
e
às vezes os olhos onde a lua
eu
recordo os laços na beira da cama
percorrendo
o álbum de fotografias
e
não me contendo enquanto me visto
chego
à janela e grito pra estátua
se
não fosse o espelho que me denuncia
e
a obrigação de guerras e batalhas
eu
me arvoraria a herói como você, meu caro
pra
fazer barulho e preservar os cabarés.
AMOR BASTANTE
Paulo Leminski
quando eu vi você
tive uma ideia brilhante
foi como se eu olhasse
de dentro de um diamante
e meu olho ganhasse
mil faces num só instante
basta um instante
e você tem amor bastante
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